sábado, 6 de outubro de 2007

Do divórcio

Era uma daquelas noites nem frias nem quente, sem lua ou nuvens, nao ia chover, mas o céu tampouco estava bonito. Era mais uma noite normal, abafada e morna. O relogio batiam sete horas, quando a campainha tocou.
_Droga, dessa vez ele foi pontual, e eu nem terminei de tomar banho!
Ela olhou no olho mágico, e seu coração estremeceu ao ver o envelope amarelo nas mãos dele. Abriu a porta, enrolada na toalha branca, gotejando pelo chão, que ela tinha esfregado com tanto esmero durante a tarde.
_Desculpa, eu estava no banho. Senta aí enquanto você espera.
Ele se sentou, e olhou ao seu redor, viu as paredes, que tantas vezes testemunharam juras de amor eterno, brigas sem fundamentos, almoços de domingo e beijos displicentes. Viu o sofá roto, que ele comprara no crediário, de sete vezes sem entrada, antes tão novo, motivo de tanta alegira e hoje já tão velho, desbotado, mais ou menos como o casamento deles. Ele viu também o girassol de plástico, que ela tanto gostava. "Flor de plástico, sim, que é pra não murchar!". Tanta coisa murcha, a pele murcha, e se enche de rugas, as flores murcham, até a vida que eles construíram juntos, hoje parecia que murchara. Foi quando ele baixou os olhos, e reparou que o chão estava encerado, e que tudo ali cheirava a limpeza, e se lembrou da boa esposa que ela fora. Da casa sempre limpa, do frango com quiabo no domingo, da novela das oito, do cheiro de café de manhã. Não se sabe como, ele se perdeu no meio de toda essa rotina, dessa vida medíocre, mas tão cheia de encantos, que só quem ama vê. Tentou, então, inultimente, descobrir quando ele deixou de ser marido, pra ser o homem insensível, que deixava no balaio de roupa suja, para que ela lavasse suas cuecas maculadas de outras paixões. Nesse momento ele descobriu que o arrependimento é amargou, queima a garaganta e machuca o peito. Sua alma sucumbiu às lembranças que o templo, outrora lar da família que eles foram, trouxera.
Ela então, saíra do banho, com o cabelo solto, molhado, cheirando ao óleo de lavanda, que ela sempre usara. Ah! O cheiro de lavanda! O cabelo solto! Ah! era ela sua mulher! Era ela, que um dia entrou na igreja, com o vestido branco, simples, bordado a mão pela mãe. Era ela, que tantas vezes, fez um chá de mel com limão pra curar sua gripe, que dava o nó de suas gravatas, e enchia de alegria não só essa casa, mas toda a sua vida.
_Onde é que eu assino?- a voz saiu metálica, quase ensaiada.
E os olhos dele se encheram de lágrima, e ele chorou um choro sincero, e se ajoelhou aos pés dela, solenemente lhe pedindo perdão. Um perdão silencioso, pois tanta dor lhe comia as palavras. Ela, segurou a sua mão, o levantou, e lhe beijou na testa. Na testa, nas bochechas, cheirou-lhe o cabelo, sentiu-lhe a pele. Beijaram-se então na boca. E naquele sofá vinho, entre aquelas mesmas paredes, se amaram de novo pela primeira vez!

Postado por Anne Keat