quinta-feira, 11 de junho de 2009

Passeio

"Sometimes I feel so happy

Sometimes I feel so sad

Sometimes I feel so happy

But mostly you just make me mad

Baby you just make me mad"

Pale Blue Eyes, The Velvet Underground


Distanciou-se uns poucos passos à minha frente e eu pude vê-lo caminhar. Se eu não estivesse ali alguns segundos antes poderia facilmente se passar por um desconhecido que eu ultrapassaria, indiferente, sem notá-lo ou, no máximo, notando a combinação rara das calças cáqui e o tênis, o que eu esqueceria em seguida, ao que visse outra coisa qualquer – um carro que riscasse a cena, um papel no chão ou o número das casas.


Que diferença fazia, então, que fosse ele e que ele fosse tão diferente dos outros? O que a fazia prestar atenção nos seus passos e analisar o seu todo, do desenho de nuca aos braços acompanhando sem muita harmonia o ritmo das pernas? Sua caminhada era como algo que ela devesse seguir e o sentimento por pouco não se arrebatava no impulso de correr e apertar-lhe os braços: leve-me. Se olhando-o de longe era tão ordinário vê-lo, que diferença ela via entre a cadência dos seus passos e a de qualquer outro? Qual era o sentido de sentir no rosto assomar-se um sorriso que era sincero e sem pensar ao vê-lo caminhar de longe, quando os olhos não puderam reconhecer ainda o rosto ou a cor dos olhos, mas tão só a silhueta e a sombra dos gestos?

Ela sabia que olhar nos seus olhos era despensar de tudo isso e dela mesma, como se o pensamento fosse tão somente o necessário para nos lembrarmos de algo que ainda não é, a representação do que deve ser, que devemos buscar, aquilo que está por fazer e não pode ser visto. Como se pensar fosse a antecipação do ser, a distração e o trabalho da alma. Mas ele tão somente era, que era desnecessário pensar. Era tão natural que à sua frente ela encontrasse o ideal e sua cabeça se inibisse de todos os pensamentos, que ela se sentia bocó, sem sentido, preguiçosa. Ele se fazia na frente dela e a desobrigava de criar. Tudo era somente leve, sem raciocínio, o que os filósofos talvez elogiassem ou tratassem com repúdio. Ela era simplesmente o que devem ser as crianças no estado em que o mundo é dado e não há nada no mundo que se desconheça, exceto os nomes que se dão as coisas. De olhar para ele, nela restavam poucos resquícios do vocabulário, só as qualidades essenciais: azul, belo... Era, no mais, a idéia do que as coisas são antes que a elas seja dado um nome. Ela sentia como se ele a falasse por telepatia.

No entanto, tão somente vê-lo andar, pelas costas, já a fazia senti-lo além da rua, do barulho dos carros ou do frescor do vento. Não lhe daria maior importância se não o tivesse olhado, antes, por mais de um minuto. Talvez se nunca tivesse visto seus olhos...

Agora os passos rápidos que se distanciavam à sua frente a incomodaram como um despertar barulhento e repentino, dos que misturam a raiva do susto à nostalgia do sonho, mas com o que ela sonhava? Apressou-se a encontrar seus passos e, quase de encontro destes, aquelas mãos que os acompanhavam numa arritmia única a buscaram, antes... Vamos!


Laís de Oliveira

Quinta-Feira, 11 de Junho de 2009

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Subliminar



Inquietante
Impulso
Os dedos querem
Escreva! - pedem -
Eu censuro, tensa
Na rigidez contrária ao que se pensa
Recuso as letras de um rabisco vago

Rabisco teu
Sem previsão, sem crença
Nem contas, nem raciocínio
Sem lógica
Leve como um já saber repentino
Tal qual o fosse sempre
Como o trago

Natural
Claro que seja escrito
- se o censuro - incessante
Disfarça
Rima-se como o penso
- endosso a farsa - Eu
Te escrevo sem notar
E não apago.


Laís de Oliveira
3 de Junho de 2009