quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Menina


Les Saltimbanques, Pablo Picasso. 1905
Talvez seja pequena
que sou
o céu talvez, de grande,
seja belo - de impreciso -
e de mim, estar embaixo,
quiçá meu maior feito -
esse ser nada
mas breve
e o céu, longo,
azul e eterno
que decifrá-lo
seria falta de juízo.

Junho, 2007

Laís de Oliveira

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Cotidiano do mundo

Lágrimas escorrem pelo extremo de um olho. Saltam, fugindo de seus devidos canais, à medida que a vida se transforma em música e a música em vida; melancólica. Horas e minutos tornam-se tempo decorrido.
Uma jovem grita histericamente. Orgasmos múltiplos a invadem. O gozo, gosto da vida, devolve a ela a pureza e a sensibilidade das crianças. Sorri satisfeita, nenhum sentimento de culpa sobrepõe àquele súbito de prazer. Ela pensa, que talvez seja essa umas das únicas formas de encontrar o que chamam de Deus. E caminha, seus cabelos espalhados pela brisa mansa, por um mundo que compartilha com todas as suas intimidades refletidas, algumas conhecidas, nem todas exploradas.
Ofegante, uma mulher brada. Seu chamado ecoa pelos tetos de um hospital público e um médico atônito distribui funções a uma equipe desorganizada. Ela geme, resfolega, suspira. Tenta esboçar um sorriso de dor. De dentro de seu ventre um pequeno ser, banhado em um líquido viscoso, mostra o seu pequenino rosto a um mundo que não sabia existir. E chora indefinidamente.
Uma rosa, um sorriso; beijam-se. No banco de uma praça mal iluminada o amor floresce. É um germinar digno de apreciação, o que resulta em encantadoras reminiscências. Há espaço para o perdão, o entendimento e o desequilíbrio, que estrutura os corpos e remonta sorrisos: amor intransitivo.
Olhos famintos, sedentos de justiça e pão, rogam por um pouco de sensibilidade. Os que cruzam apressadamente a avenida não têm tempo para vasculhar os bolsos a procura de uma ou duas moedas para um indigente, que move os lábios num rezar silencioso de quem não se alimentou o dia todo.
Chocam-se. Um bêbado dirigia imprudentemente, um pai de família retornava de uma visita à amante. Ouve-se o estrondo, a vida acaba para um deles. E qual merece mais algum tempo nessa dimensão? Se a justiça se responsabilizasse pela vida, o que fosse bom seria poupado.
Uma garota pálida observa o que transcorre abaixo de sua janela, no décimo primeiro andar. Pensa. Sorri. Sobrevoa sonhos e ilusões; pequenas realidades. Ninguém sabe o que a faz estar ali às seis horas no entardecer de uma quinta-feira improdutiva. Ela continua, visualiza possibilidades, hipóteses, remói constantes arrependimentos. Sente o ar batendo na vidraça, um gosto de fuligem na boca, os cabelos molhados pingando no parapeito da janela. Observa as nuvens dando as mãos, as ondas que se quebram no mar ao longe, os carros que trafegam, a multidão que se aglomera. Ouve o buzinar dos automóveis, o rumor das conversas que se misturam e chegam a um décimo primeiro andar como verdadeira cacofonia. Ouve a vida urbana que se desenvolve abaixo de seus pés e ofuscam o canto dos pássaros. Entre um edifício e outro, aprecia o fim de tarde cor violeta que se mistura a um caramelo acinzentado. Abandona a janela, a existência morna das coisas, a distância entre a intenção e o procedimento, a fresta que olha o mundo. E retorna, sem gosto, ao grosso da vida.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Sem nome


Eu nua
Aqui falando alto, impropérios.
Aqui gritando enigmas
Mistérios meus
O que te intrigue, te interesse em mim.

Eu doida
Aqui gesticulando, teatral.
Aqui vez desengonço
Tal, vez dança
Pra que me olhe, te interesse em mim.

Eu tonta
Aqui girando em mim, tanto que caio.
A quê ocupei-me só de mim?
Ensaio em vão
Que tanto fez, que te interessa em mim?

2007
Laís de Oliveira

Le Cirque (1891) - Gorges Seurat

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Destino construído

Ele não sabia, mas era o único que a fazia perder o controle. Quando o via, ela prendia a respiração como que leva um susto e o mundo a sua volta se desconstruía por inteiro. Embora ele não soubesse, aquela era a mulher da sua vida. Quando aparecia, arrancava com os olhos tudo do lugar, era um vento forte que desmanchava as estruturas fixas que havia ali. Era a mulher que o fazia se sentir vulnerável... E vivo.
Entre um desencontro e outro, trocaram algumas palavras num dia frio, um dia qualquer. Ela sentiu que tinha dito tudo errado e colocado todas as palavras numa ordem estranha e desconexa. Ele, com o coração aos tropeços, acusou-se de ser um completo idiota e não conseguir juntar frases simples e banais quando, por um instante ímpar, olhou com desvio e medo para aqueles olhos.
Era noite, dia dos namorados, ambos lastimavam não ter um par para aquela ocasião. Não uma pessoa por quem dariam suas vidas, ou com quem certamente se casariam. Lamentavam não ter alguém por quem se preocupar e cuidar sem medo de ser excessivo, alguém em quem pudessem pensar ao ouvir uma música lenta ou um poema romântico, alguém que fosse uma boa companhia e desse uma história de amor, sem maiores adjetivos. Ele a levou em casa. Conversaram banalidades, o tempo, as aulas, as férias, a vida. Ela pensou em oferecer um chá, talvez uma cerveja, ou um vinho que não tinha, mas ficou receosa do que ele pudesse pensar. Não disse nada, nem mesmo agradeceu a companhia. Ele foi embora, tinha aula de francês no outro dia. Ela entrou em casa e foi escrever um poema. Ele, achando que estava indo longe demais com tanto platonismo fora de moda e ela, sofrendo por não identificar nenhum sinal de reciprocidade, escolheram, cada um com seu nervosismo latente e ansiedade, se esquecerem para sempre. Decidiram que deveriam procurar quem deles gostasse.
Encontraram amores desejáveis e invejáveis, mas nenhum que valesse as quatro letras proferidas com veemência e violência, nenhum que fizesse do mundo um inferno bom.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Andorinha


"Andorinha lá fora está dizendo:- "Passei o dia à toa, à toa!"
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!Passei a vida à toa, à toa..."

(Andorinha, Manuel Bandeira em Libertinagem)

.

.

.

.

.

E assim, continuo aqui, existindo, com as sobrancelhas por fazer, o cabelo seco e sem corte, as unhas lascadas com o esmalte vermelho descascado, a maquiagem borrada da noite passada. Prefiro dormir a acordar, prefiro chegar a sair.

Olho o relógio e espero que o tempo passe, que o tempo pare, que o tempo volte. Espero apenas para não deixar de esperar. Deixar de esperar seria me tornar ainda mais vazia. Mas a esperança por nada também não preenche; corrói, assim como a saudade do que nunca existiu.

E, pelo menos por enquanto, sonhar acordada é o meu passatempo preferido.

.

.

.

.

.

.

.

.

Por B.G.

Ps: Férias intermináveis. ¬¬

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Lembrete

"PELA TARDE DE OUTONO onde o verão
Deixou rastos ainda, e a escuridão
É de fogo já baço no horizonte -
Por esta tarde onde indecisamente
O vento vago paira como insonte
De sua vinda morna e [ * ],
..."

Fernando Pessoa
5-10-1916


Pedaço de papel rasgado em uma página marcada de poesia de um livro que há muito era fechado. Recado no papel, anotação de contas, dívidas, lembretes: vontade de voltar e fazer tudo que, então, eu não podia esquecer. Vontade de lembrar de tudo que não posso esquecer. Ou do que não quero.
A página marcada era um pedaço de Fernando Pessoa, de um livro de poemas inacabados, coisa que ele deixou por fazer. A incidência me deixou análoga a Pessoa, sua obra por fazer, coisa antiga dobrada em silêncio, pedaço passado em silêncio. Meu cotidiano passado sem ver.
Pessoa era poeta e tinha em tudo seus sentidos.
Também eu tinha, no pedaço de papel, um pouco de mim em pessoa, um tanto de sentimentos que já tivera sentido. Tanto de coisa para não esquecer, qualquer dívida, recado e um rabisco que saiu de mim um dia, de um sentido que não volta. De uma sinceridade só de quem anota sem olhar, de quem rabisca sem sentido. Nostalgia de algo corriqueiro, vontade de sentir pedaço da gente durante o dia que passa, e vai e a gente esquece. Que mesmo se anota, vai, esquece. Saudade de sentir esses pedaços que inteiram algo mais que a gente lembra (e é tão pouco). Vontade de sentir algum se escrever agora. De rabisco sincero sem notar, coisa que fica por fazer. Vontade de lembrar de mim sem precisar agenda.
Lembrete por ser lido num pedaço de papel.
Por mim em pessoa no Pessoa inacabado.


Laís de Oliveira


[ * ] : Espaço em branco deixado pelo autor

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sobre janeiro

"Janeiro chegou
a chuva não quer parar
(...)
Procuro os livros,
e a paz nos amigos
Mas o meu coração
não é bom dos ouvidos!"
Gardenais
Esses dias meio cinzentos e abafados de janeiro parecem insistir em nos mostrar que quando a gente se deixa acomodar tudo ao redor fica medíocre. Você deita na poltrona e não se preocupa nem mesmo em ajeitar a coluna. Não, é mais fácil assim, sujeito ridículo. Os dias começam ao meio-dia e não acabam, as horas se arrastam, o sol aparece tímido no meio da tarde (putz, ainda são quatro horas?). "O que são mais longos: os dias ou as noites?". Enquanto ainda é dia a resposta mais certa parece ser o dia, afinal o tempo úmido te sufoca na sua monotonia. Mas as insônias de janeiro são piores, afinal não existe nem com o que se preocupar. Sujeito desinteressante. Você até pensa que sua vida seria melhor se você se contentasse com um emprego medíocre (assim como você), com o cheque especial, ou uma viagem pra praia no Carnaval. Não, você é medíocre, desinteressante, monótono, e o que é pior, você não se encaixa. Você não é como os outros. As mangas das suas roupas estão sempre compridas demais, as barras das calças rotas, você vai ao cinema sozinho, bebe ou chora excessivamente, ou os dois, chega sempre atrasado, perde o ônibus (maldito sujeito, não tem nem habilitação!). Mas janeiro não te respeita, sujeito desajeitado, "cara estranho", como da banda que você insiste em gostar, janeiro te odeia, e insiste em te mostrar.Janeiro vem como um espelho que te mostra o quanto você é "destentado e feio". Janeiro definitivamente não te respeita. Não mesmo. Janeiro insiste em chegar. O sol de janeiro brilha pra todos, mas sobre sua cabeça janeiro é cinzento. São as chuvas de verão, você pensa. Verão pra quê? Praia cheia, fedor de cigarro, sol queimando, gente quase bonita. Não. Você sujeito chato, prefere a praia vazia, cheiro de brisa, noite estrelada e gente bonita de verdade, daquele jeito que só as pessoas bonitas de verdade sabem ser, sem produção, sem moldes. Janeiro pra quê? Você é daqueles sujeitinhos que preferem o céu de fim de tarde de maio, as flores de outubro (como as da Laís!), o sol brilhante e frio de julho, as luzes de dezembro, os ventos de agosto, a monotonia de março, o marasmo de novembro. Mas janeiro é muito eufórico. Em janeiro falta amor, você sabe, sujeito eternamente apaixonado, ninguém ama em janeiro. Janeiro tem bundas demais, festas demais, axe demais, enfim tudo é demais em janeiro, não sobra tempo pro amor. E você cantarola baixinho, sujeito controverso, a musiquinha de axé: "amor de praia não sobre serra". Sobe, você pensa. Mas eles não sabem o que é o amor, amor sobre serra, atravessa o gelo descalço ou o oceano a nado. Todos passam janeiro esperando o carnaval. E você passa por janeiro esperando que um dia essa euforia passe também por você. Quem sabe janeiro que vem, você, sujeito blasé, mude sua cara de paisagem e faça parte dessa grande festa. Não. Você sabe que não.


Foto achada na internet, como não tinha o nome do fotógrafo, não pude colocar os devidos créditos.

sábado, 5 de janeiro de 2008

"Feliiiiz ano noooovo... Adeeeeus ano veeelho.. Que tudo se realiiize..e badada"

É sempre assim; ano novo, promessas no reveillon, férias intermináveis, madrugadas na internet, tardes tediosas, domingão do faustão. A diferença é que antes sempre havia algo a se esperar, esperar por sorrir, chorar. Agora não. O ano começou sem planos, sem reservas, sem champagne. O que antes me matava por dentro, agora é apenas um ruído constante, que incomoda, mas que não rasga, não sangra. Apenas sufoca.
E eu gosto do que me põe no chão.





"I'm a hazard to myself
Don't let me get me
I'm my own worst enemy
It's bad when you annoy yourself"
(Pink)



Por B.G.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Au Lapin Agile

Esta esquina
Fica bem perto do nosso acaso
Pouco antes do vinho
Do seu copo raso
Da taça vazia
Três quadras e o tonto
O seu embaraço
O nosso tropeço
Desculpas risonhas, em frente
À direita, à esquerda e ao avesso
Os olhos vagueiam
E param, se cruzam...
Se fazem esquina.

Laís de Oliveira



Au Lapin Agile (1904), Picasso

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Desses dias depressivos

Hoje bastaria estar morta. Mas nem isso. Continuo morrendo em vida.Segurar o choro, adiar o gozo, fingir o riso. E não se render. A noite se esvai devagar e sonolenta, mas logo o dia chega atrevido, sem o menor respeito pela minha dor.


Burlando as regras do blog, postei dois textos hoje. Guts é imperdível, reflete bem meu sentimento ao fim de ano. E este é mais um desabafo, um modo de não sucumbir.

Guts

A
Aconselho ler este texto de estomago vazio.



GUTS” (Conto do livro "Haunted" de Chuck Palahniuk)

Inspire.
Inspire o máximo de ar que conseguir. Essa estória deve durar aproximadamente o tempo que você consegue segurar sua respiração, e um pouco mais. Então escute o mais rápido que puder.
Um amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar. Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos vendo a grande noite que ele preparou.
Então, esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para um bolo de cenoura. E vaselina.
Como se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.
Em casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.
Então, esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para descer, naquele momento.
Ele remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas debaixo da cama.
Depois do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.
Esse amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário. Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para dar um nome.
As pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês: esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa….
Enquanto você desce as escadas, então - mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter dito. A réplica mais avassaladora.
Esse é o espírito da escada.
O problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que você pensa ou faz.
Alguns atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem discutidos.
Agora que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais o encontravam, uma toalha enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos, intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.
Outro amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, na qual o mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o cabo dentro, e isso os faziam gozar melhor. De forma mais intensa.
Esse irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em russo. Dicas de punhetagem.
Depois disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque ele está no hospital.
Ele tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas. Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.
Pelo telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa, no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.
Chapado e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o trabalho.
Até mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos. Eles reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase gozando quando percebe que a cera não está mais lá.
O fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue sentir a cera dentro de seu pau.
Das escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.
Depois do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.
O garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir campainhas, pessoas gritando. Game shows.
Os raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga. Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo. Está ficando maior e mais expesso, coletando cristais de cálcio, está batendo lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina. Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.
O garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam. Sobre o que o seu irmãos mais velho da Marinha escreveu.
No telefone, nesse momento, ele começa a chorar.
Eles pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.
Enfiando coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.
O que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por dois, três, quatro minutos.
Só de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava, meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.
Depois disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.
Esse era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava ficando gorda e dando a luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas nais quais você não se preocupa que te pegam.
A melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte era ficar pelado e sentar nela.
Como os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cú chupado? Mesmo assim, num minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.
Num minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado, aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.
Num momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão no trabalho e minha irmão no balé. Ninguém estará em casa por horas.
Minhas mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento no fundo.
Faço isso de novo, e de novo.
Deve ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cú sendo chupado, eu não preciso de mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul, meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.
E então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.
Médicos de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente fica. A maioria na Flórida.
As pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não estou chegando para fora da água também.
Ainda nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no meu ouvido fica mais alto e mais forte.
As brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água, que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de alguma refeição semi-digerida.
Só há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da piscina, só esperando para me comer.
Então… eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento, mas ainda segurando firme no meu cú. Com outro chute, estou a centímetros de conseguir respirar. Ainda sentido a cobra presa no meu traseiro, estou bem próximo de escapar.
Dentro da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e ácidos graxos Ômega 3.
Ver essa pílula foi o que me salvou a vida.
Não é uma cobra. É meu intestino grosso e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.
Os médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão. O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de 180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.
O que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins e ervilhas.
Essa sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou, mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.
Deus proíba que meus pais vejam meu pau.
Com uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.
Se você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá para segurar.
Uma camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.
Você então vê contra o que eu lutava.
Se eu largo, sai tudo.
Se eu nado para a superfície, sai tudo.
Se eu não nadar, me afogo.
É escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.
O que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo curvado. Mergulhado na árgua turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta dele, gotas gordas de esperma.
Ou isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue, morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.
Algo sobre o qual nem os franceses falam.
Aquele irmão mais velho na Marinha, ele ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…,” os russos dizem, “Preciso disso como preciso de dentes no meu cú……
Mne eto nado kak zuby v zadnitse.
Essas histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem, qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que morrer.
Droga… mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.
Senão, o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cú. Se você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de novo.
Não é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não comeriam mais frutos do mar.
É difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a cozinhar ovos pochê.
Todas aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim….
Precisava disso como precisaria de dentes no cú.
Hoje em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e encontro aquilo intacto na privada.
Depois que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei mais do que pesava aos 13 anos.
Outro problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia, “Aquela porra daquele cachorro era maluco.”
Mesmo do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para deixar aquele cachorro sozinho por um segundo….”
E então a menstruação da minha irmã atrasou.
Mesmo depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso meus pais nunca mencionaram mais isso novamente.
Nunca.
Essa é a nossa cenoura invisível.
Você. Agora você pode respirar.
Eu, ainda não.