quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Diálogo com ramos, rosa e barros

(ensaio de coisa sem final)

Um pássaro do qual não sei o nome piou três vezes infinitamente.
A noite vinha calma como quem anda na roça. Quieta, de ar parado, vinha lenta num andar de cores claras para escuras, degradando como quem atrasa o passo de ir ao chão. Vinha num caminhar manso que pára e colhe flores nos joelhos. A noite lenta vinha acompanhada do assovio deste pássaro do qual não sei o nome. Penso que nem a noite o sabe...nem entanto se importa ou pensa nisso em hora de apanhar estrelas.
Que interessa um nome seco que, falado, cala após e cessa? A ela, mais se presta o assovio que é contínuo, constante e repetido. Penso que música anda mais que nome e a noite pensa assim, comigo. A Serenata Noturna andou mais que Mozart: a noite se enche disso.
Eu ouço o pio como quem conversa e falo em tom de quem respira e troco notas de vazio com o assovio lá do pássaro e com o andar da noite.

Laís de Oliveira


imagem: Espantalho, de Portinari (1957)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Mariana

Mariana pura e bela
cada lágrima,
carregada de ódio e pecado
cai para sarar a alma
e escapar desse cruel e frio,
mundo, imundo de prazer e medo
Como um anjo ferido
em meioa a essa guerra
e a tantos rostos perdidos
Mariana,
com um brilho único
no sombrio olhar
Mariana de contrastes,
tão longe e tão perto
branca, corrompida
negra, intocada
Doce de mel,
doce de fel
Lutando pela sua sanidade
Sobrevivendo num mundo
que não a merece
Este não é lugar para pessoas
bla como ela é
De lúdica loucura
De insana sensatez
Mariana que grita
e ninguém ouve
que se segura e foge
que abafa o sentimento puro
Maria que é Ana
nem mãe, nem avó
Mariana que é muitas...
Que chora...
Mariana,
meninas também choram.




Postado por Cíntia Melo

sábado, 24 de novembro de 2007

Mudando a casa decimal


Acordo, olho para o teto e vejo meu ventilador. Estou em casa. Minha cabeça dói. Novamente, bebi mais do que devia, mais do que me era necessário. Então começo a recuperar meu raciocínio... Meu Deus, hoje é meu aniversário. Eu odeio meu aniversário. Não. Não é porque “noooossa, estou ficando mais velha”, e nem nada parecido. Afinal, eu fiz 20 anos, não 40. No meu desejo, hoje nada mais seria que um dia comum, assim como também seria o dia do reveillon. Mas não me deixam, não me permitem. Então, fazem desse dia um dia diferente, especial, mas não por minha vontade. Crio expectativas. Eu não suporto expectativas. E então eu olho pro telefone, e penso, quem vai ligar... Fulano, ciclano, tem que ligar, caso contrário... Caso contrário nada. Serão apenas mais algumas das várias frustrações que eu tive na minha vida, que qualquer um teve, e gostaria que não tivesse. E então eu lembro do pensamento de uma semana atrás: o que eu vou fazer no dia? Onde? Quem eu chamo? Fazer nada se torna algo impossível. E seu aniversário acaba sendo uma lista, na qual você decide quem são seus amigos, quem não é tanto assim. E na verdade você não decide. Meras ilusões. Minha vontade é dormir profundamente e acordar domingo, com meus 20 felizes anos, ainda com minhas vagas expectativas, meus sonhos incompreensíveis; e, assim, ser feliz para sempre, como nos contos de fada.





“She moves on her own way...”

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Laís de Oliveira - O filho que eu quero ter



Uma música me fez querer um filho.
Só por deixar pesar nos braços e deixar pesar o sono nos olhinhos, daquele peso de um dia cheio de novidades cheias de cores.
Pela delícia de cantar uma canção de ninar.
E tão sutil a vontade, qual ela fosse meu próprio filho adormecendo. Tão pura que, como suavizasse a voz para cantar, eu tentasse escrever suave para não assustá-la.

De medo de estragar um querer repentino e bonito, quase infantil. Quase meu filho.


Laís de Oliveira

"Linda, cuando vos quieras,
dejo este amor donde lo encontré.
En tren con destino errado
Se va más lento que andando a pié... "

Detalhe de "As Três Idades da Mulher", de Klimt.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Dos olhos verdes

"Já falei tantas vezes
do verde dos teus olhos
todos os sentimentos lhe tocam a alma
alegria ou tristeza!"
Maria Rita

O verde-cinza-azul dos teus olhos já comeram minha paz. Virou rima recorrente dos poemas piegas que eu faço na ânsia de te esquecer. Mesmo sabendo que meu maior esforço é para mantê-los sempre vivos na minha memória. Eu vejo em tudo que é belo o reflexo dos teus olhos furta-cor. Meus cafés são cada dia mais amargos, as insônias mais solitárias, as horas no analista mais angustiantes e as doses de vodka cada dia mais fortes. Tudo isso pela busca incessante de cruzar meu olhar ao teu, ao menos mais uma vez. De ver teus olhos azuis de desespero me suplicando paz; tão cinzas, como se fazia cinza o mundo para ti; e tão verdes, como verde é a esperança em que eu tentao acreditar quando a lembrança de tua imagem me dilacera a alma. Teus olhos multicoloridos me mostraram os caminhos mais perdidos em que eu já me encontrei. E me perdi. Me perdi sem seu olhar de guia, de protetor, e de anjo caído. Mais uma vez as horas se arrastam, e eu aqui me torturando com a idéia de teu olhar infantil buscando nos meus olhos distraídos abrigo pros teus tantos medos camuflados. E eu aqui tão longe, sem teus olhos não tenho mais nada!


Postado por: Cíntia Melo

sábado, 17 de novembro de 2007

Sem título.

Procuro por olhares que me dêem respostas, mas, quando os encontro, são olhares perdidos, não correspondidos. Olhares que não condizem com as ações, que não trazem nada além de mais dúvidas, mais contradições, lembranças que deveriam ser esquecidas. Olhares que não querem ser encontrados, talvez por medo de serem revelados. Olhares que me mostram uma pessoa que eu não conheço, não mais.
Mas então, no dia seguinte, com a garrafa de água na mão, percebo que o que eu quero não são respostas. O que eu busco são mentiras verdadeiras, revelações que me interessem, algo para preencher esse vazio que me desespera, me corrói. Não quero respostas. A verdade está clara, sempre esteve. E eu não a quero.

Sofro na incerteza, no silêncio do que nunca vem, nunca toca. E não muda.


“And it makes me think there must be something wrong with me
Out of all the hours thinking
Somehow I've lost my mind
But I'm not crazy, I'm just a little unwell”
(Matchbox 20)
Por B.G.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Laís de Oliveira - Maria de Açúcar

"Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto"
Chico


Certa Maria

O que dói no meu peito
È como se você fosse ser sempre essa agonia
Sempre o mesmo aperto
Um não dormir direito que me embala
Nos teus sonhos
Tuas falas, teus sorrisos
Como se eu nunca mais tivesse sono
Nunca mais tivesse como,
Jeito, ou tema pra poesia
Eu sempre e você, meu servo e dono.
Sempre eu, sempre Maria
Eu pra sempre a seu respeito.

Laís de Oliveira

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Então..


É estranho chegar em casa depois de tanto tempo.
Mesmo que meu quarto em BH seja repleto de móveis que nem são meus, eu sinto que é lá que me pertence. Talvez essa sensação faça parte do que é crescer, se tornar um adulto.
Sábado eu vi um filme (Lobos e cordeiros) em que um professor fala pra um aluno que o mais difícil em se tornar um adulto é que a gente não percebe quando isso acontece e que é preciso ter cuidado, porque pequenas decisões tomadas hoje levarão anos para serem mudadas. A fala dele foi brilhante, fiquei minutos pensando sobre e é uma pena não conseguir retratar aqui exatamente tudo que ele falou.

O fato é que Patos me passa um sentimento nostálgico, dos dias, momentos, esquinas em que se passaram conversas intermináveis, bares e restaurantes que eu freqüentava com pessoas que fizeram parte da minha vida durante anos e que hoje eu mal as conheço, assim como elas mal me conhecem. As casas em que morei, as ruas nas quais eu caí andando de patins, as árvores em que eu subia, hoje cortadas.

Não trato nostalgia como tristeza. Nem como saudade. Voltar me faz entender porque eu fui embora. Crescer aqui foi a melhor coisa que podia ter me acontecido, a infância em cidade pequena é mais feliz, afinal, nada como fazer coisas como jogar amarelinha na rua e desligar o padrão da vizinhança. Mas eu não consigo me ver aqui pro resto da vida. Morar em cidade pequena é bom em um filme, onde as pessoas andam de bicicleta e trocam alimentos e alfinetadas com os vizinhos. A realidade passa distante.

Voltar pra cá me faz sentir velha. Acho que é isso.







"So here I go, still scratching around the same old hole

My body feels young but my mind is very old

So what do you say?

You can't give me the dreams that are mine anyway

You're half the world away

Half the world away...

I've been lost, I've been found, but I don't feel down."

(Oasis)




Por B.G.

sábado, 10 de novembro de 2007

C. Melo- Das lembranças

"How happy is the blameless Vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd"
Alexander Pope


Acaba a noite, acaba a festa, acaba o alcool, acaba o spleen, tudo acaba, deixa de ser num instante tão rápido que passa despercebido aos nossos olhos. Mas inevitavelmente nasce um novo dia, mesmo que tudo tenha acabado, alguma coisa fica. Essa coisa que fica talvez seja a única que não deveria ficar. Mas de tão bem guardade que é a gente não tem nem a opção de esconder, fingir que não tá vendo, que não tá sentindo. Os olhos boiando no espelho do banheiro mostram a verdade crua. Cada lembrança se encaixando quase que num quebra-cabeça sádico. Lembranças, boas, ruins, lembranças insistente. Que maravilha seria poder escolhe-las. Lembranças!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Horas

Descansa, poetisa, que teus versos são tuas horas
Vê, tua poesia é o teu tempo
Não crê que alguma outra voz te chama
Que não a que tu mesma cria.
Não assusta teu rosto com ponteiros
Rijos, pesados, marcados de tédio
Que eles quebram fácil com o vento
Que em teus cabelos passa e tu esquece.

Laís de Oliveira
















imagem: Reloj blando en el momento de su primera explosion - Salvador Dalí



"Every year is getting shorter, never seem to find the time
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines"
Time - Pink Floyd

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Dando voltas

O ser humano tem uma capacidade engraçada de fingir que está bem, sempre feliz, saltitante, comunicativo. Parece que a tristeza, a infelicidade, o tédio são sentimentos fracos, indemonstráveis. Eu perdi essa parte da evolução.

Posso mentir pra mim mesma e me enganar de forma primorosa. Sou capaz de criar ilusões que, de tão distorcidas, me parecem reais, e viver assim em um mundo imaginário onde não necessariamente sou mais feliz. Mas não se engane... Este meu mundo é pessimista em relação a tudo (minto, exceto uma coisa, que eu jamais poderia dizer aqui), e nele eu continuo sendo uma pessoa dotada de impedimentos que, na maioria das vezes, não existem, e alguém que possui um conformismo em relação às coisas difíceis da vida que simplesmente não deveria existir. Meu mundo é ilusório porque eu distorço a realidade, mas isso não significa que eu tenha nele uma visão distorcida de mim mesma.

Em compensação, para os outros eu não consigo fingir nem uma dor de cabeça, quanto mais felicidade. Não estou tratando essa minha capacidade de fingir mal e mentir pior ainda como uma qualidade ou um defeito. Claro que sinceridade é um valor indispensável, mas seria hipocrisia dizer que a verdade deve sempre ser dita, não importa a ocasião. Mas, para mim, pouco interessa. Quem realmente me conhece decifra-me em poucos segundos, seja pelo olhar perdido, pelo sorriso frouxo ou pelas mãos inquietas.

Mas não é por não conseguir fazer o mesmo e nem por achar uma falsidade desnecessária que pessoas que fazem questão de se mostrar sempre felizes me irritam. É uma perda de tempo se esforçar tanto pra passar uma imagem tão irreal e desgastada. O ser humano é por si só fraco e suscetível a mudanças e incertezas e não admitir isso sim é uma fraqueza imensurável. A frustração é um componente constante em nossas vidas, mesmo porque, se não fosse, não viveríamos nessa busca incessante por algo que nos complete. O que existe são pedacinhos de felicidade, que encontramos dia pós dia, porque o homem é insaciável, passa toda uma vida procurando por algo que, de fato, nunca encontrará por inteiro.

E perceber isso não faz ninguém passar toda uma vida sorrindo.




P s : é, acordei me sentindo oca hoje.




Por B.G.!

sábado, 3 de novembro de 2007

Do copo pela metade

"Eu sei que nada tenho a dizer
Mas acabei dizendo sem querer
Palavra bandida
Sempre arruma um jeito de escapar!"
Móveis Coloniais de Acaju
Perdida no labiritno do quarteirão fechado da Pernambuco, achei as respostas para as perguntas que você nunca me fez. Não é que elas já não estivessem em mim, mas faltam-me as metáforas adequadas. Elas não podiam ser mais óbvias, mas precisei ouví-las displecentemente de um amigo ( desculpa aí pelo plágio). Eu só queria o copo pela metade, afinal de contas o que está meio vazio está também meio cheio. Eu nunca quis te pedir o que você não pudesse me dar, eu nem teria condições de receber tanto. Sua semi-presença me bastava, mais seria muito, menos é pouco.
Pequenos deslizes afloraram o óbvio- equilíbrio é ilusório e insustentável. Eu pequei pelo excesso, você compensou com a falta. Mas veja bem, você não foi para mim Diadorim, eu só gostei de sua companhia, dos risos descompromissados, e da tarde ociosa naquele café. Entende, eu só quero o copo pela metade, não é porque eu deixei transbordar que você deveria tê-lo esvaziado.
Busquemos, pois, a leveza de um artista de circo, para andarmos sobre a corda bamba do equilíbrio, para que as inseguranças e suposições não tomem o lugar da realidade livre e agradável, e, para que expectativas desproporcionadas não suguem do presente o doce sabor de estar sendo. Principalmente para que cada um tenha o espaço necessário para colar os pedaços quebrados de seu próprio coração. Porque cada um tem de ser inteiro apenas pra si próprio.
Oxalá tenha você entendido o que eu tento em palavras inteiras dizer. Mesmo que me faltem as palavras, ou que sejam elas meias-palavras.
Postado por: Cíntia Melo