quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Psicodelias

"Hike up your skirt a little more
And show the world to me"



Volta agosto e minha vida é como se fechasse em um retrospecto, num dejá vu latente e interminável que me constrangesse a receber o presente como uma memória de passado.


Do sonho da casa das bonecas de bochechas envernizadas e do banheiro dourado: a rua

Certa vez, sonhei com uma rua pequena e velha vista de um dos lados da calçada, do lado de onde havia uma casa cuja entrada era um misto da casa de minha avó em Lavras com uma casa suntuosa, como um castelo, com uma torre vertical e cômodos que eu desconhecia. Na subida da escada em espiral, de metal negro belamente detalhado, havia um piso superior que dava tão só num banheiro pequeno e dourado, mui digno de um rei, ou antes, de sua esposa, uma princesa descrita na delicadeza rósea e áurea das paredes e privada. Na casa de tantos cômodos havia moças belas como princesas e artificiais como marionetes de verniz, de um lustrado avermelhado nas bochechas, tão plástico que pareciam esculpidas, pinceladas em madeira, e que de tão falsas eram estranhamente belas, dos cílios postiços longos e muito pretos sobre olhos intensamente azuis como vidro, aos narizes esculpidamente finos e os lábios muito vermelhos e bochechas brilhantes de rubras (rubras, porque o vermelho não as alcançaria). Na cabeça, um adornado longo e ondulado de ouro ou de carvão muito intenso. No sonho eu não sabia se eram bonecas ou moças que tanto se agravaram na sua beleza que se envernizaram, todas, e se esqueceram de algo mais, além do nome, das vontades e delírios. Eu sei que não me compreendia, se atordoada, se estonteada com a beleza frágil das bonecas, com suas beldades enfurnadas pelos cômodos da casa. Não sabia se admiração ou medo, mas era como sentir-me humana, de pele flácida e inquebrável, e de rosto pálido, como sem tinta. Me sentia, antes de tudo, natural e era como se estivesse ali de visita, chegada de viagem, mas como se alguém me quisesse presa como elas para a vida, talvez o rei do qual o banheiro era digno, e talvez eu me lembre também de seu rosto de marionete adocicada, das bochechas de maçã caramelizada. O tempo que passei naquela casa eu nunca soube, mas algo me prendia como vício, comiseração ou encanto pelo senhor que mantinha as senhoras róseas e douradas, porque eu estivesse lá por um motivo mais e único, que se comprovava pelo fato de eu não ter as bochechas róseas, mas dúvidas. Não sei por que nem por quanto fiquei, até que me senti um dia com os cílios longos e os cabelos volumosamente brilhosos, íntima da escada em espiral que levava ao banheiro superior e acomodada pela proposta do senhor das bochechas róseas. Lembro num desfecho de ver novamente a rua (e no meio tempo entre as princesas e então parecia não ser a primeira vez que eu me colocava entre a rua e a escada do banheiro) e de me despedir daquele senhor sem tristeza, nem cabelos longos ou bochecha rósea, mas com uma nostalgia como por um amor que se sabia inexistente, mas se sentisse. Lembro de pessoas que vieram me esperar como se eu voltasse de um cárcere... e não me lembro de muito mais (mas que deixei outra donzela mais condizente que eu na calçada com aquele rei sem nobreza, feito plebeu ou boneco de cera pelos tempos modernos. Lembro de nostalgia.
Na verdade eu nunca compreendi ou o quis, este sonho, nem entanto me preocupei, e no entanto agora ele me vem com uma aura nostálgica de presságio antigo, como tivesse um lado premonitório desde aquela época. Mas nem o lembro quando sonhei ou o porquê das figuras engraçadas, medievalizadas e românticas, em marionetes envernizadas. A verdade é que nem hoje o compreendo, necessariamente, mas é como se ele fizesse parte da seqüencia de dejá vus que tem me perseguido. Haja significado, haja sentido ou não, certo que vai para uns cinco anos atrás que o sonhei. O que há de presságio é a semelhança de algo que sinto agora e que senti neste sonho, que me fez reconhecê-lo novamente e descrevê-lo na esperança de que me dissesse algo...um sentimento de nostalgia que me faz sentir uma dor de ter abandonado algo que nunca me seria dado e não sei quando o tive em mãos, numa posse fugaz por mera diversão do tempo em saber que o meu futuro o abandonaria, mas no entanto o tive que conhecer para me responsabilizar, sozinha, por abandoná-lo.
Por teimosia, se não houver sentido, eu culpo as circunstâncias.
Sobretudo, não é amor, mas nostalgia.

Laís de Oliveira