sábado, 16 de fevereiro de 2008

Life goes on

H: A vida continua.
G: É por isso que eu estou aqui?
H: Você sabe porque eu venho aqui? Eu sento, eu vejo, eu imagino.
G: Hm, parece legal.
H: Imagina uma coisa dessas quebrar a perna. Basta um passo em falso e você se quebra na calçada.
G: Você não está falando sério...
H: Eu sou mau.
G: Pessoas más não dizem que são más.
H: Parece uma saída fácil. As pessoas podem fazer boas coisas se os instintos não são bons. Ou Deus não existe ou ele é inimaginavelmente cruel.
G: Eu não acredito nisso.
H: No que você acredita? Por que você acha que isso está acontecendo?
G: Eu não quero conversar sobre isso.
H: E daí, eu também não, que pena!
G: Eu não acho que tinha uma razão!
H: Aham, portanto, Deus existe, você foi estuprada, e sendo assim você quer manter seu bebê sem nenhuma razão.
G: Talvez ele esteja me testando.
H: Te machuca pra te ajudar, muito bom! Acho que é melhor que: “Ele te odeia”.
G: Você está tentando me convencer que não existe Deus, por que você faria uma coisa dessa??
H: Porque você está desperdiçando sua vida!
G: Eu estou fazendo o que eu acredito!
H: O que acredita não faz nenhum sentido.
G: Isso não está me fazendo bem.
H: Então eu não posso ajudá-la. Se você acredita em eternidade, então a vida é irrelevante. Assim como um inseto é irrelevante em comparação ao universo.
G: Se você não acredita em eternidade, então o que você faz aqui é irrelevante.
H: Suas ações nessa vida é o que importa.
G: Então nada importa. Não há uma conseqüência final?? Eu não poderia viver assim.
H: Então você precisa saber se o cara que fez isso a você será punido?
G: Eu preciso saber que pra tudo nesse mundo existe um significado. Eu preciso desse conforto.
H: É, então é isso.. Você se sente bem assim, se sente aquecida por dentro?
G: Acredito que sim.

Diálogo de “House M.D.”, do capítulo 12 da terceira temporada.



Então, Deus existe? Nosso destino está escrito desde nosso nascimento? Existe vida após a morte? Reencarnação?

Eu não acredito em eternidade, nem em Deus, mas há momentos em que fica difícil não acreditar em força superior. A vida é aqui e agora, e de certa forma acreditar nisso me faz aceitar o que eu não posso mudar e lutar pelo que eu posso; nem sempre, é claro. Não acredito em destino, mas também não acredito em coincidência. Não me peça pra explicar. Há coisas nesse mundo que são impassíveis de qualquer explicação; ou discussão. Cada um acredita no que “te aquece por dentro”.


Há dois anos eu tive um acidente de carro realmente grave. Estava voltando de BH, meu avô estava dirigindo, ele parou no meio da estrada, do nada, pediu pra minha tia dirigir e me mandou trocar de lugar com ele. Pedi pra não trocar, eu detestava sentar no meio, me dava náuseas, mas ele fingiu não escutar e me empurrou pra lá. Poucos minutos depois um caminhão entrou na nossa pista, o carro foi pro acostamento e, devido ao desnível, capotou e caiu ladeira abaixo. O motorista do caminhão não se deu ao trabalho de parar. O capô afundou onde meu avô estava e ele faleceu no mesmo instante. Segundo minha tia, eu ficava sentada no acostamento, perguntando o que tinha acontecido, falava que estava doendo, mas não lembro. Lembro apenas de estar no carro, e então num hospital muito precário em Três Marias. Por impulso, pedi um telefone emprestado, liguei pra minha mãe e falei que estava tudo bem, que tinha apenas quebrado o braço. Eu não sabia do meu avô, da minha outra tia, da minha avó, mas sabia que as coisas não estavam nada bem.
Desde criança eu sempre soube lidar bem com a dor, com sangue. Eu era uma dessas crianças, digamos, com bastante energia, que a vontade da mãe era amarrar na cama. Já tinha quebrado os dois braços, nariz, dedo e me machucado bastante, mas sabia que aquilo era diferente. Eu não conseguia mexer meu braço esquerdo, nem falar direito, meu rosto doía muito e meu pescoço sangrava sem parar. Não adiantaria falar nada, estava tudo bem, pronto.
Bem, a anestesia não durou muito tempo. Assim que eu desci da ambulância em Patos minha mãe desmaiou. Havia quebrado minha mão, o punho e a clavícula esquerda, a mandíbula em duas partes, fraturado significativamente a face esquerda e quebrado seis dentes da frente, além de 29 pontos levados no pescoço, sem anestesia.
Em dez dias eu estava na escola e, em um mês, na Festa do Milho. Não, não quis dizer que foi fácil. 30 dias com ferros dentro da sua gengiva amarrando a sua boca não é uma sensação nem um pouco agradável. Fome? Beba algo que passe pelo buraco dos dentes. Desde então nunca mais tomei iogurte, me dá calafrios quando vejo um.
Mas passava os dias sorrindo, com alegria, sem reclamar da dor ou ficar pensando se meu rosto um dia voltaria ao normal. Não era por estar viva. As pessoas tendiam a achar que eu deveria agradecer a Deus todos os dias, que eu deveria dar muito mais valor à minha vida. Faria sentido eu dar mais valor se eu fosse, sei lá, um usuário de drogas pesadas e tivesse provocado minha “quase morte”. Entretanto, não. Meus valores quanto ao mundo continuaram os mesmos, eu continuei a mesma. O que mudou foi o valor que eu dava às pessoas à minha volta. Não há nada como uma situação dessa pra ver quem está do seu lado ou não. Lembro de cada um que segurou a minha mão. Lembro de cada um que eu achei que seguraria. Há pessoas que sofreram mais por mim do que eu mesma poderia, e talvez fosse esse o motivo de levar tudo com mais leveza, sem drama.
O que eu quero dizer com tudo isso?
Que coisas acontecem.
Boas, ruins.
E não é porque elas acontecem que existe alguém as monitorando, ou que elas acontecem por uma razão. Não, acontecem porque o mundo gira, o tempo passa. O significado de cada coisa, cada mudança, depende de cada um. E o ser humano tem a tendência de tentar achar explicação em tudo, para tudo; de achar que pode entender o que realmente se passa com qualquer outro.

Mas como sempre diz uma amiga minha: “Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração.”

E só cada um sabe.
Há o indiscutível, sempre.