quinta-feira, 24 de abril de 2008

Vaguice

Há coisas que me atrasam a vida irreversivelmente. O suor de dormir à tarde com o sol ardendo atrás dos panos da cortina, ou o de não ter sono quando a noite encarna o dia.
Me ocorre que eu nasci para o pequeno, para achar no rotineiro o traço involuntário de cada dia, o que há de mais desencontrado no que se espera das ruas, gentes e calçadas.
Parece que o que faço bem é adivinhar poesia quando a rua, sem querer, deixa entrever um qualquer que passa e ri sozinho. O pouco me alegra mais do que saber de todos os anseios dos homens de todos os tempos, de todos os códigos que engendraram o que, hoje, fazemos. Gosto de pôr os dedos no que somos e olhar para o que vemos quando a tarde é de sorvete, ou de preguiça.
Contudo, eu perco o hábito de competência e as chances de mercado. Oxalá meu currículo incluísse o como lido bem com o passar da tarde e a montagem do que será a noite: focos amarelados pelas ruas, mesa no passeio, gente sem mais que braços, olhos, dedos.
No entanto eu sei que o pequeno me assusta na extensão deste infinito ao contrário. Tanta grandeza de detalhes que eu temo querer enumerá-los em prosa, fichas, tópicos ou tese.
Quem dera eu não olhasse pro relógio e rabiscasse esse registro tenso por render um pouco.

Laís de Oliveira