"...ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo."
Fernando Pessoa, em "Obra Poética"
Me falta um deus esses dias, nas minhas coisas, nos meus passos. Sinto o oposto da onipresença. Faz tanto que não tenho inspirações sadias ou vontade imensa de fazer qualquer tarefa. A minha escrita se tornou sem graça e as minhas folhas não mais sonham em tornar-se manuscritos de uma grande obra.
Meus dedos têm preguiça e sono, e me contraria o fato de meus olhos estarem cansados de ver e os ouvidos, fartos de ouvir.
Eu já não tenho um deus há muito tempo. E as minhas linhas já se entortaram e eu me sirvo como auto-divindade, no entanto escrevo errado o meu destino, e mal escrito.
Tenho me contentado com clichês e me desculpado ao repeti-los. Ainda, se resta alguma inspiração, eu gasto em defender aos decassílabos que um clichê merece sê-lo e, só por isso, é eterno e válido. No fundo, estou cansada de não fazer novidades.
No fundo, estou no poço e sei viver nele sem pressa.
Ainda, eu desejava ter um deus, que eu rezaria a ele e faria promessas para conseguir me deleitar com esforços e amarguras. Por graça, eu sofreria pelos versos que não tenho escrito. Na triste condição que vivo, não valem esforços que corroam meu prazer lascivo e flácido de virgem. Minha cabeça se cansou de arquitetar poemas e eu definho em imagens vulgares e ríspidas.
Se me fosse dado escolher um deus, eu rezaria a Fernando Pessoa e ofertaria um altar com folhas, tinta e café. Clamaria por um pouco de dor e me faria reconhecer a antiga timidez nas pernas e a pressa nas palavras. Redimiria os males na escrita. Quem sabe eu me esforçasse em suportar o desrespeito e então, ser pura, para assim poder ser natural e, enlouquecida, almejar servir à minha obra para os homens.
Ainda me resta um indício de loucura, se sei que escrever não é normal.
Por súplica, esta noite eu faço prece da Autopsicografia.
Laís de Oliveira
Agradecimentos a C. Melo, pela menção da "escritura".