quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Das Genis


Era sexta-feira, numa dessas aulas de Direito, Guimarães Rosa me mostrou que toda mulher é um pouco de Geni. Explico-me. Ser mulher é um pouco, ou melhor muito, de ser Geni, de se dar ao outro e nem sempre receber de volta. Só mulher pode ser mãe, isso por si só, já explica muito. É mulher que dá seu útero, para gerar por nove meses os filhos que um dia serão do mundo, ela dá a luz, a vida, o leite, o carinho, e as noites sem dormir, mas como falar só no lado materno de ser mulher seria cair em pieguices e frases feitas. Mulher se doa de muitas outras maneiras. Ser mulher é seguir cotidianamente um ritual quase sagrado. Um ritual de doação. Para mulher nunca falta tempo, ela veste os filhos, vai à academia, trabalha, estuda, mantém a casa em ordem, se pinta, canta, colhe flores, se mostra e se esconde num mesmo momento. Somos elas, que estamos lá para perguntar como foi o trabalho, entendê-los nos momentos de estresse, nos interessarmos pelas coisas da faculdade deles. Somos nós, somos elas, que fazemos unha, cabelo, massagem, comida, faxina, bolo. Ainda sobra tempo pra tomar o iorgute zero de gordura, pentear os cabelos com carinho, passar o batom que combina com o tom da pele, calçar o sapato de salto e chegar a tempo para reunião daquele emprego super importante. Manter-se bela para o bem de todos. Fazer sempre pelo coletivo. Tudo bem que não é preciso "deitar-se com homem tão nobre, tão cheirando a brilho e a cobre (...) do enorme zepelim prateado", às vezes é mais sutil, como engolir o choro, fingir o orgasmo, ou assistir pela décima vez com o filho o filme do Nemo.
Não falo isso por machismo ou femismo, Pagu, Beauvoir, e outras, todas se doaram; Pagu foi tanto do comunismo, como de Oswald Andrade e Rudá; Beauvoir se doou ao existencialismo, ao feminismo e a Sartre. Elas, como eu, como minha mãe, minha vó e tantas outras Marias Mulheres por aí, nos doamos, ao Direito, aos maridos, à Engenharia, aos filhos,ao Greenpeace, ao namorado, à política, às amigas, ao xadrez, ao skate, ao ballet... Porque toda mulher é Geni e Benfazeja, em maior ou menor grau!

Na foto Pagu, Oswald Andrade e o filho Rudá

Postado por: Anne Keat

Um comentário:

Anônimo disse...

Interesso-me muito pela música da Geni também, Anne. Não apenas por ela ser do Chico, mas confesso que principalmente. Isso porque, tal qual na maior parte das letras dele (em especial as antigas), cabem interpretações diversas. Quando ouvi "Geni" pela primeira vez, eu ja sabia de antemão o cunho político que ela guardava por trás de si, então nao conseguir me ater a qualquer outra interpretação possível. É mesmo um grande problema essas explicações prévias que recebemos não apenas acerca de músicas, mas a respeito de tudo na vida, não é? Tornamo-nos incapazes de ver detalhes óbvios, diferenças que trazem uma nova conotação aos fatos e às músicas da vida. Eu só conseguia ver a Geni como a mãe (ou esposa, agora não me recordo) do presidente Figueiredo... achava engraçado, quase lúdico, e acima de tudo extremamente ofensivo.
Foi-me de grande valia ler essa nova interpretação, e eu acho sim que toda mulher tem um pouco da Geni em si...
Aliás, mais que isso, eu acho que existe uma terceira interpretação se pensarmos bem: apesar de todos os defeitos da Geni, ela tinha príncipios e só agia da maneira que lhe fosse aprazível... era uma mulher de valores que talvez não fossem os da maioria, mas não era hipócrita. Talvez ela seja uma demonstraçao do que é uma pessoa capaz de pensar por si mesma, a despeito dos valores da maioria. Uma em um milhão.