quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Escolha


Falhas na minha escolha
no meu tempo
buracos no que quero
meus momentos
de tédio - restos de indecisão feita.
minhas paredes de plástico-bolha
prédio de folha, sílica e cimento
penso teus olhos de silêncio
entre imprecisos
registros de pensamentos maduros
- quiçá seguros e sóbrios tormentos,
quiçá a cabeça em ti, calma de fogo
que sabe atrasar passos -
nesse impasse
de escolha que fiz e que no entanto
se demora
folhas sem fim de linhas
e as horas
que passam a estourar plástico-bolha.


Laís de Oliveira

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Da carta ao filho




“Quando seu moço nasceu, meu rebento,
não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
Eu não tinha nem nome pra lhe dar!”







Foi um parto sofrido. Você já nasceu assim sem eira nem beira, maculado com meus pecados, machucando meu corpo e minha alma. Filho inesperado, mãe desesperada. Eu tentei de tudo para me redimir, tricô, aborto, Igreja Universal do Reino de Deus, grupo de mães, álcool e drogas, mas você é forte, a tudo você resiste, rebento meu. Concebi-te na luxuria, gerei-te na vergonha, e te dei a luz no escuro, mas assim mesmo você veio. E trouxe nos pequeninos olhos negros a coragem que eu nunca tive, trouxe a fome ávida dos grandes guerreiros e sugou dos meus seios o leite da vida, da sua vida, só sua. Você lutou por ela antes ainda que viesse ao mundo; me envenenara com a sua sede de vida. Tão pequeno e tão forte, mostrando pra mim toda minha fragilidade e insignificância. Meu pequeno você me mostrou a verdade obvia que eu sozinha eu não poderia ver, eu tive por nove meses a maior dádiva de todas, pela primeira vez eu trouxe vida dentro de mim. De onde, que não de mim, você tirou tanta vitalidade? Foi do seu pai? Pai que não sabemos quem é? Pai, que não sabe de nós? De onde você conseguiu tanta vida? Qual é sua fonte, seu bastardo? Foi seu pai, que tirou de mim toda a alegria de estar viva, que deu a você tanta força pra viver? Meu filho, filho meu, ama a sua mãe como ela te ama e te odeia. Pedaço de mim, leva contigo a sua primeira vitória, leva seu parto sofrido como o troféu da penitência de se estar vivo. Vive e esteja sempre vivo. Hoje sua mãe, que nunca viveu, deixa a vida, e deixa para você, como legado, seus medos, pecados e essa carta mal escrita. Não tenha culpa, remorso, raiva ou rancor. Peço-te tampouco amor. Mas vive, meu filho, que a vida foi feita para você.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

De você...

De você
Ficaram apenas os maus momentos
Os bons, o tempo se encarregou de apagar
Ainda que com o meu esforço
Embora não sem dor

De você
Guardei cartas rasgadas e fotos desconfiguradas
Sílabas e rostos que se romperam com força
E pressa de quem quer esquecer
E não consegue

De você
Ficaram pétalas espalhadas de uma rosa murcha
Um bem-me-quer em eco no infinito
Sentimentalismos acorrentados em jaulas do tempo

De você
Ficaram lágrimas que demoraram a secar
Momentos verdadeiros que seriam eternizados
Se não estivesse escolhido, com racionalidade e amor-próprio,
Jogá-los na lata de lixo

E que o importante seja o que ainda não vivi.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Life goes on

H: A vida continua.
G: É por isso que eu estou aqui?
H: Você sabe porque eu venho aqui? Eu sento, eu vejo, eu imagino.
G: Hm, parece legal.
H: Imagina uma coisa dessas quebrar a perna. Basta um passo em falso e você se quebra na calçada.
G: Você não está falando sério...
H: Eu sou mau.
G: Pessoas más não dizem que são más.
H: Parece uma saída fácil. As pessoas podem fazer boas coisas se os instintos não são bons. Ou Deus não existe ou ele é inimaginavelmente cruel.
G: Eu não acredito nisso.
H: No que você acredita? Por que você acha que isso está acontecendo?
G: Eu não quero conversar sobre isso.
H: E daí, eu também não, que pena!
G: Eu não acho que tinha uma razão!
H: Aham, portanto, Deus existe, você foi estuprada, e sendo assim você quer manter seu bebê sem nenhuma razão.
G: Talvez ele esteja me testando.
H: Te machuca pra te ajudar, muito bom! Acho que é melhor que: “Ele te odeia”.
G: Você está tentando me convencer que não existe Deus, por que você faria uma coisa dessa??
H: Porque você está desperdiçando sua vida!
G: Eu estou fazendo o que eu acredito!
H: O que acredita não faz nenhum sentido.
G: Isso não está me fazendo bem.
H: Então eu não posso ajudá-la. Se você acredita em eternidade, então a vida é irrelevante. Assim como um inseto é irrelevante em comparação ao universo.
G: Se você não acredita em eternidade, então o que você faz aqui é irrelevante.
H: Suas ações nessa vida é o que importa.
G: Então nada importa. Não há uma conseqüência final?? Eu não poderia viver assim.
H: Então você precisa saber se o cara que fez isso a você será punido?
G: Eu preciso saber que pra tudo nesse mundo existe um significado. Eu preciso desse conforto.
H: É, então é isso.. Você se sente bem assim, se sente aquecida por dentro?
G: Acredito que sim.

Diálogo de “House M.D.”, do capítulo 12 da terceira temporada.



Então, Deus existe? Nosso destino está escrito desde nosso nascimento? Existe vida após a morte? Reencarnação?

Eu não acredito em eternidade, nem em Deus, mas há momentos em que fica difícil não acreditar em força superior. A vida é aqui e agora, e de certa forma acreditar nisso me faz aceitar o que eu não posso mudar e lutar pelo que eu posso; nem sempre, é claro. Não acredito em destino, mas também não acredito em coincidência. Não me peça pra explicar. Há coisas nesse mundo que são impassíveis de qualquer explicação; ou discussão. Cada um acredita no que “te aquece por dentro”.


Há dois anos eu tive um acidente de carro realmente grave. Estava voltando de BH, meu avô estava dirigindo, ele parou no meio da estrada, do nada, pediu pra minha tia dirigir e me mandou trocar de lugar com ele. Pedi pra não trocar, eu detestava sentar no meio, me dava náuseas, mas ele fingiu não escutar e me empurrou pra lá. Poucos minutos depois um caminhão entrou na nossa pista, o carro foi pro acostamento e, devido ao desnível, capotou e caiu ladeira abaixo. O motorista do caminhão não se deu ao trabalho de parar. O capô afundou onde meu avô estava e ele faleceu no mesmo instante. Segundo minha tia, eu ficava sentada no acostamento, perguntando o que tinha acontecido, falava que estava doendo, mas não lembro. Lembro apenas de estar no carro, e então num hospital muito precário em Três Marias. Por impulso, pedi um telefone emprestado, liguei pra minha mãe e falei que estava tudo bem, que tinha apenas quebrado o braço. Eu não sabia do meu avô, da minha outra tia, da minha avó, mas sabia que as coisas não estavam nada bem.
Desde criança eu sempre soube lidar bem com a dor, com sangue. Eu era uma dessas crianças, digamos, com bastante energia, que a vontade da mãe era amarrar na cama. Já tinha quebrado os dois braços, nariz, dedo e me machucado bastante, mas sabia que aquilo era diferente. Eu não conseguia mexer meu braço esquerdo, nem falar direito, meu rosto doía muito e meu pescoço sangrava sem parar. Não adiantaria falar nada, estava tudo bem, pronto.
Bem, a anestesia não durou muito tempo. Assim que eu desci da ambulância em Patos minha mãe desmaiou. Havia quebrado minha mão, o punho e a clavícula esquerda, a mandíbula em duas partes, fraturado significativamente a face esquerda e quebrado seis dentes da frente, além de 29 pontos levados no pescoço, sem anestesia.
Em dez dias eu estava na escola e, em um mês, na Festa do Milho. Não, não quis dizer que foi fácil. 30 dias com ferros dentro da sua gengiva amarrando a sua boca não é uma sensação nem um pouco agradável. Fome? Beba algo que passe pelo buraco dos dentes. Desde então nunca mais tomei iogurte, me dá calafrios quando vejo um.
Mas passava os dias sorrindo, com alegria, sem reclamar da dor ou ficar pensando se meu rosto um dia voltaria ao normal. Não era por estar viva. As pessoas tendiam a achar que eu deveria agradecer a Deus todos os dias, que eu deveria dar muito mais valor à minha vida. Faria sentido eu dar mais valor se eu fosse, sei lá, um usuário de drogas pesadas e tivesse provocado minha “quase morte”. Entretanto, não. Meus valores quanto ao mundo continuaram os mesmos, eu continuei a mesma. O que mudou foi o valor que eu dava às pessoas à minha volta. Não há nada como uma situação dessa pra ver quem está do seu lado ou não. Lembro de cada um que segurou a minha mão. Lembro de cada um que eu achei que seguraria. Há pessoas que sofreram mais por mim do que eu mesma poderia, e talvez fosse esse o motivo de levar tudo com mais leveza, sem drama.
O que eu quero dizer com tudo isso?
Que coisas acontecem.
Boas, ruins.
E não é porque elas acontecem que existe alguém as monitorando, ou que elas acontecem por uma razão. Não, acontecem porque o mundo gira, o tempo passa. O significado de cada coisa, cada mudança, depende de cada um. E o ser humano tem a tendência de tentar achar explicação em tudo, para tudo; de achar que pode entender o que realmente se passa com qualquer outro.

Mas como sempre diz uma amiga minha: “Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração.”

E só cada um sabe.
Há o indiscutível, sempre.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

À amiga que aniversaria!




"Amigo, pra mim, é isto: á pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacríficios. Ou-amigo- é que a gente seja, mas sem precisa saber o por quê é que é."


Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dos substantivos concretos ou De Belo Horizonte


A chuva caia timida, quase querendo parar. E eu caminhava ainda mais timida, de cabeça baixa pela esquina dos aflitos, onde meliantes, indigentes, ciganos e pivetes vendiam a correntes de falso ouro, relogio despertador e a alma. Pela primeira vez eu parara para analisar o nome daquele lugar: Esquina dos Aflitos. Nome de melancolia quase poética. Os nomes das coisas e as coisas dos nomes. E para mim, naquele dia silencioso de carnaval, os substantivos sufocaram os verbos, que ate entao eu considerava a alma da lingua. Os substantivos é que são o nome das coisas. A alma de tudo. Justo eu, que nunca me atei a nomes, que os esquecia, quando nunca nem os ouvia. Na esquina dos aflitos senti de vontade de gritar o nome de tudo ao meu redor, numa agonia louca de guardar o mundo em cada palavra. Carros, fumaça, prédios, out-doors, cachorros, onibus, rodoviaria, sarjeta, asfalto, placas. O centro enfurecido da minha cidade estava muito calmo, escancarando diante dos meus olhos todos seus substantivos concretos, se urbanizando na minha frente com seu concreto gélido. Me abstrai naquele momento em parte viva e pulsante da cidade que não pára. Flutuei pela primeira vez, sobre suas ruas tão conhecidas pelas solas dos meus sapatos, meus sete pecados, minhas sete vidas todas ali se cruzando na Praça Sete, para que eu fosse também pedaço belo daquele Horizonte. Minha cidade de serras, de bares e de todos os substantivos de meu coração!

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Linhas traçadas

Ela olha o calendário, pensando nos anos que se passaram e tenta entender o porquê. Acha engraçado notar que seus gostos mudaram, suas mãos envelheceram, o sorriso amoleceu e ela continuava ali, parada, como se não tivesse forças pra se mexer. Afinal, o que tanto a prendia?
Quem dera saber. Um cheiro, o olhar, o tato, o sorriso, o andar, a maneira como ele segurava sua xícara de café? Não sabia dizer. A aparência talvez? Não.
Quantas vezes olhou para ele e se perguntou o que tanto lhe interessava. Nunca soube ao certo.
Talvez fosse os olhos pequenos e levemente puxados, o sorriso aberto que saía sem controle quando ela o chamava por um apelido engraçado, as mãos macias, os dedos finos. Talvez fosse a maneira como ele conseguia agüentar com leveza as pessoas que ele não suportava.Talvez fossem suas manias. Deus, como ela adorava suas manias. Sabe, aquelas coisas inexplicáveis, como não pisar sobre as divisas dos ladrilhos, dormir apenas na beirada do travesseiro, ou apenas não conseguir comer salada com o restante da comida. Manias deixam as pessoas mais interessantes, dizia. As retiram daquele montante, deixando-as ímpar, e até bizarras, porque não. Ela tinha suas manias e as conservava com a mesma intensidade que mantinha suas memórias. Gostava do louco, intransigente, incomum. Bem, talvez fosse a ironia e a arrogância que ele insistentemente usava para cobrir uma insegurança que ele não podia admitir. Talvez fosse a facilidade que ele tinha de fazê-la perder os sentidos. Talvez fosse a voz, talvez o senso de humor. Talvez a maneira como segurava sua mão.
Hipóteses havia muitas, certezas, nenhuma. Já tinha passado por todas as fases; de depressão e auto-piedade a tentar achar outra pessoa, até que chegou à aceitação. Sabia que ele não seria seu, mas não lhe cabia mais nada a não ser esperar. E só de não ter que lutar contra si mesma já era uma imensa felicidade.