As minhas coisas começam a se parecer com como elas serão, como as coisas da minha mãe eram pra mim quando eu era pequena.
Como se meus livros, ou o colar de cerâmica que acabei de comprar, me lembrassem de que o tempo passa, de que a vida é uma só. A mesma vida em que se adquire a edição comemorativa de “Cien Años de Soledad” é aquela em que meu filho vai ter um livro grosso, verde e de capa dura nas memórias da estante de sua mãe, na infância, e ainda a mesma em que ele irá, provavelmente, se aventurar a lê-lo e sentir a passagem nostálgica do tempo dos Buendía, percebendo, ou não, a nostalgia da passagem do seu próprio tempo. Talvez o ajudem a perceber, as páginas amareladas.
Talvez minha filha experimente meu colar de cerâmica, os pés descalços sobre o assoalho da nossa casa, admirando-se no espelho na fantasia de ser gente grande, como a mãe. Talvez, então, eu já tenha me cansado do colar e ele vá pertencer à caixa de brinquedos dela, até que ela também se canse, esqueça. Talvez ela não note o quanto já se passou em mim, de quanto já me esqueci – embora tanto tivesse amado, quando era tempo. Espero que ela não tenha o mesmo medo do futuro que eu tinha, resumido no medo de crescer. Que, no entanto, ela ame o presente com a mesma intensidade, mas que não tenha a nostalgia de deixá-lo, que viva com leveza as fases, deixando ser o que ela será e amando tudo o que ela foi, mas livre.
Assim, as minhas coisas parecem o que serão, mas logo voltam ao normal. A nostalgia de hoje, na perspectiva do futuro sentido, se mistura na nostalgia do sentimento de futuro passado. E eu não tenho mais o que fazer do que comprar novos livros e lê-los, assim com os colares, usá-los, como o tempo.
No entanto a nostalgia pese, eu sinto amor pelo que as coisas são agora, em sua juventude, inocentes pelo que deverão ser. Eu sinto amor pelo que sou, enquanto ainda posso inventar meu futuro – e sentir saudades do presente.
Laís de Oliveira
quinta-feira, 19 de março de 2009
sexta-feira, 13 de março de 2009
Descora com o sol
Nota-se que uma cidade já se tornou antiga quando há alguma memória distante o suficiente para ser nostálgica. Da primeira vez que se olha para uma esquina qualquer e se lembra dela vista em outras cores, com olhos antigos.
Belo Horizonte começa a me parecer o que deveria, quando me mudei, e eu já começo a rever paisagens não com o orgulho embriagado da mudança e da vivacidade de uma nova fase, mas com a nostalgia e a saudade de quem reconhece, naquela paisagem, um tempo que não volta. Outubro pode voltar, mas aquelas cores de outubro não voltam.
Eu me arrependo por não ter escrito mais e guardado todas as imagens como elas eram, mas sei que a euforia por guardar todo o momento com os olhos e na pele me fez sentir-me avessa ao isolamento triste da escrita. Sinto que Belo Horizonte é minha casa quando eu consigo ter memórias nos seus quarteirões e quando sinto, desde já, a nostalgia de ter de deixá-la – manifesta no desespero por aproveitar cada espaço.
Posso reler meus versos, mas eles nunca terão a força dos que não foram escritos.
No fim, o melhor que faço é acreditar nas palavras que guardam algo do que era e na saudade das esquinas nas suas cores e segredos, quando eu as desconhecia.
Hoje o meu dia as torna corriqueiras e eu as sinto como se fosse ontem.
Laís de Oliveira, 12 de março de 2009 (madrugada)
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