quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Quando eu crescer... eu quero ser grande!

No canto direito da sala, na primeira carteira, fico olhando o professor de Sociologia dizer palavras incompreensíveis, frases avulsas que não me passam nada. Ele parece estar no automático; não exibe qualquer tipo de emoção, muito pelo contrário, mostra uma indiferença assustadora ao fato de que no fundo da sala há um imenso barulho e que, a pequena parcela que não está fazendo outras coisas se encontra com um olhar distraído em algum ponto lá fora, através das janelas sujas de lodo.

Eu sempre quis fazer Direito. Quando criança, nunca quis ser médica, astronauta, bombeiro... Enfim, essas coisas que toda criança sonha. Não sabia o que eu queria, mas de qualquer maneira, não me interessava, eu me contentava em ser criança e sabia que não precisava pensar naquilo. Decidi qual curso faria ainda na quinta série, de maneira fácil: minha mãe fazia, fui em algumas aulas e pronto, era aquilo que eu queria. Nunca nem cogitei mudar de idéia.

Não tinha todos os planos arquitetados, aliás, não tinha quase nenhum Sabia que queria mudar de cidade, e que, para isso, eu teria que passar em uma faculdade federal. Sabia também que não queria ser aquele tipo de advogada arrogante que parece um manequim de loja, não por ter ideais de humildade ou coisa do gênero, longe disso, mas por motivos como “andar de salto dói o pé” e “viver de imagem, com o passar dos anos, deve se tornar algo bastante cansativo”, além disso, sempre tive aversão a estereótipos.

Meus desejos não estavam além daqueles de qualquer um. Queria estudar e trabalhar, mas não abriria mão de tempo para fazer aquilo que eu gostava, pois sabia que era algo que ainda faria muita falta com o passar dos anos, e que, caso fizesse, jamais me perdoaria por ter perdido o meu presente pensando demasiadamente no futuro.Queria ter dinheiro, mas não estaria disposta a ser refém dele. Queria ter minha liberdade, sempre, mas não significa que eu hesitaria em me prender a alguém, criar laços...

Então, olhando o professor, eu penso: é aquilo que ele queria pra vida dele?? Aquilo parecia tão... vazio. Afinal, planos são apenas planos e quem eu sou e decido ser na verdade significa pouco, ou quase nada, diante do que há de vir. Quantas vezes, nem poderia contar, meu planos saíram dos eixos e tudo acabou se perdendo de maneira incontrolável e, às vezes, dolorosa, sem que eu pudesse ao menos ver onde foi a falha? Ou se foi minha a falha... Mas talvez seja exatamente esta a beleza dos planos, o fato deles existirem sobre um futuro incerto e, ao mesmo tempo, excitante, que me amedronta e me encoraja.

Seria monótono viver apenas de presente, desperdício viver de passado.







P s : eu quero me formar em direito tributário, ser rica, casar aos 29, ter dois filhos e ser uma coroa gostosa.




por B.G.!

sábado, 27 de outubro de 2007

Apenas começando...

Aqui, sentada em frente ao computador à uma hora da manhã, quando todos os meus programas de “cair na gandaia” deram errado e quando o sono simplesmente não parece querer aparecer mesmo sem ter dormido quase nada nos últimos dias, nada me vem à cabeça senão entrar nesse mundo que minhas queridas amigas tanto amam e tanto me aconselham a entrar: o mundo das garotas do “Trem de Madalena”!
Há muito tempo, quando eu ainda era uma menina, ganhei um diário (aqueles que tinham uma chave, qual menina não teve?), e me falaram que era bom escrever, pra desabafar, para falar não só aquilo que eu não tinha coragem de dizer por aí, mas, também aquilo que tinha valor apenas para mim e que eu não queria que fosse compartilhado... Ou simplesmente para guardar lembranças, para que eu pudesse ler e sentir saudade de um tempo que se foi e que, provavelmente, eu queria que voltasse. Seria como o roteiro de minha própria vida.
Eu nunca passei de uma página.
Não sei explicar bem o motivo, se era apenas um bloqueio para escrever (o qual, lhes digo, tenho até hoje; um exemplo disso é que esta é a terceira vez que tento escrever algo para postar no blog), ou se eu não tinha mesmo era paciência. Acredito que sejam os dois. Lembro que no primeiro ano a professora de português deu um trabalho que era escrever em um caderno, 4 dias por semana, o que fazíamos, como um diário mesmo... Durante dois dias escrevi normalmente; então, passei a escrever apenas o que eu comia e quais aulas eu tinha na escola, até que duas semanas depois preferi perder 10 pontos.
Então, hoje, dia 27 de outubro, em meio a um sentimento não muito raro de solidão, decidi que não há motivos pra não tentar! E que, se há uma maneira de fazer com que a vida ande por um caminho mais fácil e claro, é enfrentar aquilo que me amedronta, aquilo que me impede ser alguém mais livre, mais aberto ao desconhecido. E se escrever é mesmo uma maneira de alcançar isso, por que não? Vai ver é apenas um começo... J


Os: Não, não vou fazer disso um diário, fiquem tranqüilos. :p



Bruna Gabriele, ou simplesmente Bg.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Para preencher o dia...

Somente quem encontra-se perdido sabe o que é perder-se. Quem se diz perdido mente, pois exige sobriedade discernir quando se perde-se...só se descobre ao encontrar-se.

Texto aleatótio e, agora, quase impessoal...para preencher o dia:


Antes lhe importava que alguém desse de ser pro resto da vida. Dessas idéias de menina, que pensam que a vida é tanto que há por vir e que dez anos mudam o mundo. Não mudam. E agora, embora não tendo avançado em idade, era como se visse com clareza que a relatividade do tempo é a crença mais fiel que uma pessoa há de ter, que algo novo pode amadurecer e cessar em minutos e que certas coisas ficam toda a vida como novas. E que é natural que elas não envelheçam, que elas nem sequer desbotem ou curvem os ombros. Estranho aceitar que seja assim tão pouco o que há por vir e intenso o que há de ficar. Talvez haja algum medo do tédio, desde que talvez leve a alguma viagem, uma mudança ou outro corte de cabelo, para então estar de volta algum dia e angustiar-se pelo que poderia ter sido, pelas rugas e pelas dores, mas, mais ainda, pela cor viva nos olhos e nas maçãs do rosto, doendo por ser algo que não envelheceu.

Laís de Oliveira


"E lá se vai mais um dia..."
Clube da Esquina

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Do meu all star


Esses dias têm sido daqueles dias em que tudo que pode dar errado, com certeza deu errado. Mas, paradoxalmente eu tenho estado muito feliz, tão feliz que eu quase não consigo explicar. Eu achava que felicidade eu ia achar quando passasse num vestibular duma faculdade federal, ih ledo engano; depois pensei que eu precisava era de um namorado perfeito, desses lindos, quase um príncipe do cavalo branco, não é que ele apareceu, mas não adiantou nada; achei que era quando eu morasse sozinha; mudasse pro exterior; emagrecesse... eu tinha mil e uma idealizações grandiosas. E essa semana não aconteceu nada de notável. Eu adoeci, tive febre, quebrei a cara, tenho uma pilha de livros para ler, um trabalho chato pra fazer e uma casa pra limpar; mas de repente eu parei, olhei pra baixo, vi meu velho e sujo all star e me senti completamente feliz. Meu all star, que já deve ter lá seus três anos me mostrou quanta coisa boa eu tinha ao meu redor; em cada mancha dele tinham as marcas dos shows dos Los Hermanos, da chuva que tomei quando fui renovar meu passaporte, do trote do meu vestibular, de todos os dias que acordo sonolenta e o calço pra ir pra aula, das vezes que eu sentei com a Bárbara no chão da casa dela e falamos bobagem, dos cinemas que eu fui com o Bruno, da minha mãe querendo lavá-lo, do meu cachorro que mastigou o cadarço e etc.
Meu all star fuleiro passou então a ser o troféu da minha existência. De repente tudo começou a se ligar como que num tear mágico, todos os momentos que antes haviam passados despercebidos, desfilaram diante de mim, agora em câmera lenta e com zoom. O meu processo de desconstrução começara. Eu botei toda minha estabilidade a perder por um causa de um tênis tosco.
Meu apartamento que era tão pequeno ganhou dimensões inexploráveis, em cada canto um encanto. A rua hostil minha recebia com braços abertos, cada rosto se enrubescia quando eu passava, os prédios ficaram menos cinzas, e os carros menos barulhentos. A cidade então entendeu que por onde passavam meus pés calçados do meu all star, passava a felicidade.
Tudo se transformou. Os velhos moribundos nas calçadas se levantaram com seus trapos e dançaram com as madames, agora descalçadas de seus Pradas. os jovens descobriram soltaram seus planfetos e frases feitas e se juntaram à revolução da felicidade; as crianças mimadas, os cachorros vira-lata, o guarda mau-humorado, as mocinhas apaixonadas; todos em tom uníssono clamavam à felicidade! Felicidade que eu só pude ver quando meu all star roto, sujo e desbotado, se transformou em sapatos de rubi e me levou a passos largos pela estrada de tijolos amarelos para o mundo maravilhoso que está bem deabxio do meu nariz.

PS: Felicidade é a gente andar por aí sem ficar com o pé doendo neh?!


Postado por Cíntia Melo

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Para Candido Portinari

La Pajita
Inti-Illimani


Esta que era una niña de cera,

pero no era una niña de cera

era una gavilla en la era.

Pero no era una gavilla,

sino la flor tiesa de la maravilla.

Tampoco era la flor, sino que era

un rayito de sol pegado a la vidriera.

No era un rayito de sol siquiera,

una pajita dentro de mis ojitos era.

Alléguense a mirar como he perdido entera,

en este lagrimón, mi fiesta verdadera.

Imagem: Portinari - Maria Rosa e seus amigos fantasiados (Ilustração nº 7 do livro “Maria Rosa”, de Vera Kelsey)

Post por Maria Rosa

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Das Genis


Era sexta-feira, numa dessas aulas de Direito, Guimarães Rosa me mostrou que toda mulher é um pouco de Geni. Explico-me. Ser mulher é um pouco, ou melhor muito, de ser Geni, de se dar ao outro e nem sempre receber de volta. Só mulher pode ser mãe, isso por si só, já explica muito. É mulher que dá seu útero, para gerar por nove meses os filhos que um dia serão do mundo, ela dá a luz, a vida, o leite, o carinho, e as noites sem dormir, mas como falar só no lado materno de ser mulher seria cair em pieguices e frases feitas. Mulher se doa de muitas outras maneiras. Ser mulher é seguir cotidianamente um ritual quase sagrado. Um ritual de doação. Para mulher nunca falta tempo, ela veste os filhos, vai à academia, trabalha, estuda, mantém a casa em ordem, se pinta, canta, colhe flores, se mostra e se esconde num mesmo momento. Somos elas, que estamos lá para perguntar como foi o trabalho, entendê-los nos momentos de estresse, nos interessarmos pelas coisas da faculdade deles. Somos nós, somos elas, que fazemos unha, cabelo, massagem, comida, faxina, bolo. Ainda sobra tempo pra tomar o iorgute zero de gordura, pentear os cabelos com carinho, passar o batom que combina com o tom da pele, calçar o sapato de salto e chegar a tempo para reunião daquele emprego super importante. Manter-se bela para o bem de todos. Fazer sempre pelo coletivo. Tudo bem que não é preciso "deitar-se com homem tão nobre, tão cheirando a brilho e a cobre (...) do enorme zepelim prateado", às vezes é mais sutil, como engolir o choro, fingir o orgasmo, ou assistir pela décima vez com o filho o filme do Nemo.
Não falo isso por machismo ou femismo, Pagu, Beauvoir, e outras, todas se doaram; Pagu foi tanto do comunismo, como de Oswald Andrade e Rudá; Beauvoir se doou ao existencialismo, ao feminismo e a Sartre. Elas, como eu, como minha mãe, minha vó e tantas outras Marias Mulheres por aí, nos doamos, ao Direito, aos maridos, à Engenharia, aos filhos,ao Greenpeace, ao namorado, à política, às amigas, ao xadrez, ao skate, ao ballet... Porque toda mulher é Geni e Benfazeja, em maior ou menor grau!

Na foto Pagu, Oswald Andrade e o filho Rudá

Postado por: Anne Keat

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Suco de Mangaba com couve

Hoje eu acordei de ressaca. Liguei moribundamente a TV e lá estava ele, lindo e tentador. Todo prata. Com um milhão de acessórios (vendidos separadamente, claro). Euforicamente comecei a anotar os números! “Eles dividem de tantas vezes, nem é caro”, pensei. E me imaginei, toda charmosa, na cozinha com ele.

Eu.

Que odeio cozinha.

Queria um Juicer Valita e descobri que eu precisava muito dele. Queria pra poder fazer mais de 200 tipos de suco. Não que eu re-al-men-te vá fazê-lo mas só pra ter a possibilidade. Só pra dizer pra todo mundo que Eu POSSO fazer sucos estranhos de beterraba com abacaxi com casca. Isso sempre acontece! Há um tempo eu queria um Grill George Foreman só pra poder esquentar os pãezinhos naquela estufa super chique de esquentar pãezinhos! Mesmo que eu não goste do pão esquentadinho, eu só queria ter aquela estufa. Não tenho uma explicação lógica pra essa minha compulsão por coisas vendidas na polishop, mas aposto que, secretamente, todo mundo quer aquelas coisas também.

E isso me fez pensar na quantidade de coisas inúteis que tenho na vida só pra dizer que tenho. Por uns tempos tive namorado, por outros, depressão. Já tive sapatos, vergonha, cd do Chico, remorso, roupa de marca, empatia... só pra dizer que tinha. E na verdade, às vezes, eu nem tinha.

O que me deixa chateada comigo mesma é que todas essas coisas são culturais; e dizem de você. Para parecer culto, um livro do kant ao lado da cama, ou aquele cd antigo do Chico que ninguém conhece. Para parecer ingênua, timidez. Para parecer sexy, sapatos desconfortáveis e saias curtas que te enlouquecem pra se sentar, andar e abaixar. Para parecer boa, remorso. Para parecer doce, animais de estimação. Para parecer simpática, empatia. E assim vão se construindo os 1 milhão de estereótipos que tenho em mente para parecer coisas que na verdade eu nem sou... só gostaria de parecer porque isso é valorizado pelos outros; e eu gosto dos outros e quero que gostem de mim. Eu nem gosto muito do kant e num sou nem um pouco tímida, nem ingênua. Mas já fiz isso tantas vezes que parece natural. Aliás quando eu digo alguma coisa fora do permitido sou considerada boca suja, safada, medíocre; mesmo que todos ali estivessem pensando a mesma coisa!! Pôxa! Tava TODO MUNDO pensando! Eu só disse! E isso me torna extremamente SUBVERSIVA; o que nem sempre é bom, afinal de contas eu sou uma menina e tenho que me portar como tal: “Sentar de pernas cruzadas, usar muitas saias, comer com talheres, ser como todas as mulheres...” fúteis. Isso é tão arquétipo pra mim e me fez pensar no quanto tenho sido superficial; assim, do latim superficiale: “pouco profundo, pouco sólido, sem descer a minúcias”. Do quanto tenho sido leviana, vivendo de aparências. Mas como ser profunda, sólida, minuciosa numa cultura em que o importante é ter seios fartos e uma bunda dura?

Não sou puritana, odeio sapatos, não tenho paciência pra terminar meia página do Kant, não sou tímida. nem um pouco ingênua, e, às vezes, não tenho remorso! É ! Eu Sou má, safada, leiga, sem modos.. Hoje, sou o que quiserem dizer de mim porque eu escolhi admitir a minha pequenez e contar pra todo mundo que adoro uma boa cerveja gelada e novela, como pizza com a mão, sento de perna aberta, me divirto comendo cachorro quente de madrugada sentada no meio fio, falo sem pensar, adoro um bom sexo e já tenho idade suficiente pra comprar um juicer valita! Mesmo que eu não vá fazer tantos sucos.


Postado por: Gabi Moreira

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Mudança e Reforma

Não se imagina quanta poeira cai em uma reforma. Das poeiras, a que mais se sente é a que não suja os pés, a que foi limpa antes que você chegasse.
“Minha casa não é minha, nem é meu este lugar”. Talvez o seja o lugar de onde vim em voltar para casa, lugar que pode ser que seja já minha casa e não este lugar onde estou. As paredes daqui pedem as novidades difíceis de serem contadas, mesmo para as paredes. Eu as conheço, sei como acomodar as costas nelas, mas pergunto por quê estão, assim, rejuvenescidas... Eu me sinto mais velha. Parece que minha reforma foi ao contrário e, no entanto, o novo envelhecido em mim é tácito, a vista não alcança nem é possível de se explicar – o que não implica a interação com paredes, que não têm e olhos e duvido muito que tenham ouvidos. Talvez a novidade se possa sentir e parede sente. Mesmo assim eu sinto, nelas, uma indiferença de branco, de gelo. Difícil confiar em quem se pinta assim... não se sente à vontade para falar de novidades...no máximo, para acomodar as costas. Coisa antiga pintando-se de nova... não se pode confiar. Talvez seja excesso de implicância com as paredes...talvez devido ao fato de que, entre elas e eu pinta uma empatia, tácita como nossa interação. Paredes sabem descobrir segredos – tenham elas ouvidos ou não. Descobrem mesmo aqueles que ainda escondemos de nós mesmos; talvez o que me incomodasse nas mesmas paredes antigas pintando-se de novas fosse que elas soubessem que minha reforma é como a delas.
Talvez.

Laís de Oliveira

Do mais que é mais sério é mais díficil escrever.

"...
Wake up naked drinking coffee
Making plans to change the world
While the world is changing us
It was good good love
You used to laugh under the covers
Maybe not so often now
But the way I used to laugh with you
Was loud and hard
..."

Dave Matthews' Band, Stay or Leave

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Das duas Berlins

A ausência de Ferdinand me ansinou a amar Franz, que por vezes estava mais longe do que o próprio Ferdinand, que habitava muito além mar. E um se tornoun a extensão do outro, como as duas Berlins, e eu era o muro que ligava esses dois mundo tão diferentes. Ora eu amava Franz, meu amante ocidental, ora eu amava Ferdinand, com seu charme quase clandestino de Europa oriental. E quando eu falava com Franz, olhando nos seus olhos negros como a noite, eu podia ver o reflexo dos olhos azuis de céu manhã de Ferdinand. E nas madrugadas insones que eu passava contando segredos de amor para Ferdinand eu olhava ansiosa para o telefone, esperando por Franz que não me ligava. E nos meus sonhos confusos, Franz era Ferdinand e vice-versa. Um se misturava no outro de forma tão intríseca que por vezes eu já não mais conseguia distinguí-los. A mesma pele branca, os lábios rosados, as camisas pretas. E numa alucinação embriagante eu via um na imagem do outro. Por esses dias que eu passei a amar Franz como eu amava Ferdinand, eu devaneava por horas, quase acreditando que eu poderia ter ambos. Que eu seria duas em uma só, por vezes na correria racional do Ocidente, e por outras na quietude quase febril do Oriente. Franz era a Berlim ocidental, pela segurança que me dava, ele era daquele amor que constrói todo dia, que precisa de investimento constante; E já o amor de Ferdinand requeria devoção total, como a dos comunistas, pedia renúncia a tudo com o que eu já havia me acostumado. Eu queria tanto os dois, queria Franz e queria Ferdinand, eu queria Franz Ferdinand. E essa paixão dividida, foi virando transformando em meu íntimo em agitação que culminaria em guerra; guerra de mim contra mim mesma.


Postado por: Anne Keat

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

...Do medo de me envolver...

É sempre assim.. Ele vem todo lindo e manhoso, com palavras doces e delicadas que me fazem sonhar. Me dá beijos demorados na boca e no pescoço e me faz esquecer das coisas mais sóbrias e ínfimas da vida. E me segura de um jeito como há muito tempo eu não sentia. Ai.. e o cheiro dele? Adoro o cheiro dele.. esse cheiro que só os homens têm! Ai.. cheiro de homem! Chega a ser melhor que os homens em si.

Mas é sempre assim. No dia seguinte eu me levanto e tento, de qualquer forma, me lembrar dos detalhes, das partes que devo esquecer ou me desculpar, dos meus impulsos errôneos e dos bem sucedidos; e do quanto de diverti também. E penso quando é que o verei de novo.. apesar de não querer vê-lo. Assim não sofreria ao descobrir o babaca que ele é.. ou deveria ser pra que as minhas profecias se realizem. E penso que ele não é lá grandes coisas, não mexe comigo tanto assim; talvez seja melhor esquecê-lo de vez e continuar minha vida. Mas então, quando é que eu vou parar essa minha busca sem sentido se é que eu nunca chego a procurar de verdade, se é que desisto antes de tentar? Além disso, no começo é sempre assim. Foi assim quando conheci o homem que tanto amei pelos últimos 4 anos.. no começo, era assim.. simples assim.. braços, pernas, cheiros, risos, palavras delicadas e a minha danada insegurança.. ela, sempre ali.

E é sempre assim.. me lembro do quanto eu era jovem, inexperiente e sonhadora. Não que hoje seja muito diferente! Se eu não fosse tão romântica (e ainda sonhadora como sempre fui) não teria esse medo que me acompanha a cada noite acompanhada, a cada noite agradável, é claro. E foram poucas. As realmente agradáveis foram poucas. As que fizeram diferença, que dá vontade de lembrar, que guardo com carinho; foram poucas. Então, contabilizo essas poucas; e chego a pensar que os homens são todos iguais, que não há homens bons, desses com os quais a gente sonha.

E aí decido que não vou vê-lo mais! É sempre assim! Digo que não quero me envolver com uma pessoa que eu não conheço. Mas se não me envolver como vou conhecer as pessoas? E critico essa minha mania de sonhar, de acreditar que ele quer ficar ao meu lado, com aquele jeitinho tímido e tão sedutor de ser; ao mesmo tempo em que tenho a nítida certeza de que não passa de uma paixãozinha de algumas horas encobridas pela escuridão, de que não será mais que algumas cervejas naquele bar. Eu e essa minha ambigüidade, essa minha mania de ter medo de me envolver me envolvendo.. Esse meu sofrimento que não me faz parar mas atrapalha todo o brilho que deveriam ter aquelas horas.. Esse meu medo de conhecer os homens.. Mesmo que dias depois ele me ligue com alguma desculpa esfarrapada querendo esquecer a solidão. Eu teria medo de me entregar, porque quem aprende a ter medo não sabe viver sem ele.

É! É sempre assim.. ele vem todo lindo e cheiroso e eu, armada até os dentes, espero calmamente o dia em que não atenderei mais as suas chamadas.. e ele se tornará só mais uma lembrança gostosa, só um número no celular, só a possibilidade de ter sido algo que eu nunca admitiria que fosse..
[Postado por Gabi Moreira]

sábado, 6 de outubro de 2007

Do divórcio

Era uma daquelas noites nem frias nem quente, sem lua ou nuvens, nao ia chover, mas o céu tampouco estava bonito. Era mais uma noite normal, abafada e morna. O relogio batiam sete horas, quando a campainha tocou.
_Droga, dessa vez ele foi pontual, e eu nem terminei de tomar banho!
Ela olhou no olho mágico, e seu coração estremeceu ao ver o envelope amarelo nas mãos dele. Abriu a porta, enrolada na toalha branca, gotejando pelo chão, que ela tinha esfregado com tanto esmero durante a tarde.
_Desculpa, eu estava no banho. Senta aí enquanto você espera.
Ele se sentou, e olhou ao seu redor, viu as paredes, que tantas vezes testemunharam juras de amor eterno, brigas sem fundamentos, almoços de domingo e beijos displicentes. Viu o sofá roto, que ele comprara no crediário, de sete vezes sem entrada, antes tão novo, motivo de tanta alegira e hoje já tão velho, desbotado, mais ou menos como o casamento deles. Ele viu também o girassol de plástico, que ela tanto gostava. "Flor de plástico, sim, que é pra não murchar!". Tanta coisa murcha, a pele murcha, e se enche de rugas, as flores murcham, até a vida que eles construíram juntos, hoje parecia que murchara. Foi quando ele baixou os olhos, e reparou que o chão estava encerado, e que tudo ali cheirava a limpeza, e se lembrou da boa esposa que ela fora. Da casa sempre limpa, do frango com quiabo no domingo, da novela das oito, do cheiro de café de manhã. Não se sabe como, ele se perdeu no meio de toda essa rotina, dessa vida medíocre, mas tão cheia de encantos, que só quem ama vê. Tentou, então, inultimente, descobrir quando ele deixou de ser marido, pra ser o homem insensível, que deixava no balaio de roupa suja, para que ela lavasse suas cuecas maculadas de outras paixões. Nesse momento ele descobriu que o arrependimento é amargou, queima a garaganta e machuca o peito. Sua alma sucumbiu às lembranças que o templo, outrora lar da família que eles foram, trouxera.
Ela então, saíra do banho, com o cabelo solto, molhado, cheirando ao óleo de lavanda, que ela sempre usara. Ah! O cheiro de lavanda! O cabelo solto! Ah! era ela sua mulher! Era ela, que um dia entrou na igreja, com o vestido branco, simples, bordado a mão pela mãe. Era ela, que tantas vezes, fez um chá de mel com limão pra curar sua gripe, que dava o nó de suas gravatas, e enchia de alegria não só essa casa, mas toda a sua vida.
_Onde é que eu assino?- a voz saiu metálica, quase ensaiada.
E os olhos dele se encheram de lágrima, e ele chorou um choro sincero, e se ajoelhou aos pés dela, solenemente lhe pedindo perdão. Um perdão silencioso, pois tanta dor lhe comia as palavras. Ela, segurou a sua mão, o levantou, e lhe beijou na testa. Na testa, nas bochechas, cheirou-lhe o cabelo, sentiu-lhe a pele. Beijaram-se então na boca. E naquele sofá vinho, entre aquelas mesmas paredes, se amaram de novo pela primeira vez!

Postado por Anne Keat

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Flores de Outubro


O céu toma trajes de outubro e eu lembro, como se me esquecesse, do último outubro que vi. Azul liso, estendido e com grandes nuvens algodoadas, feito tarde de ir à escola ou de pegar a bicicleta e andar no asfalto recém colorido de amarelo e rosa. Cor de tarde, enfim...de sesta, de meio-fio e café.
Parece que meu último outubro foi há doze anos.
Tarde passada, pediram-me que comprasse flores. De casa eu via, da janela, os telhados e as copas com o verde antigo do mês sobre o céu comprido e liso. Mesmo os prédios tomavam jeito de roça ou de quintal...o conjunto de telhas e concreto tinha feição de mercearia de currutela e fazia merecer um bom café com queijo de acompanhamento. Bala de caramelo e sonho de valsa, comprados com moeda tirada do cofre a palito. Da minha janela, tudo era quase uma beira de estrada. Mas por dentro, era, ainda, meio Agosto, tempo nebuloso de idéias sem pensar, início de semestre em fim de Julho, a contra gosto e indefinido. Saí para comprar flores.
Eu que, muito raro, uso vestido, estava com um verde nesse dia – algumas roupas te caracterizam, te vestem de alguma coisa além de tecido. As árvores também estavam com um verde...! Talvez por ocasião de outubro e, talvez, eu por ocasião de comprar flores. Não que o traje fosse proposital, mas, assim também, as árvores não sabem da existência dos meses. Pretensiosa a minha metáfora a respeito de mim e das árvores, mas eu era, então, algo a mais do que eu mesma.
Eu mesma iria comprar as flores. Sou meio repleta de cadências literárias, coisa de loucura, vem de Cervantes e não tem como não vir. Loucura de ser gigante em ser personagem não poderia inspirar-se em outro, senão no sábio que escreveu o personagem que era louco em ser gigante. Meio a lógica da criança que sonha em ser gente grande e que cresce para sonhar em ser criança. Talvez a volta de Outubro tenha me infantilizado. As cores de infância no chão me fizeram desejar, não ser gente grande e caçar moinhos, mas eu brincava de Clarissa Dalloway e ia comprar flores.
...


Laís de Oliveira


Sete mulheres, sete caras, nomes, gostos, vozes, gestos, mas todas Madalenas de um só trilho.



Que esse trem vá longe!




Beijos e boas vindas a nós!

Imagem: A Donzela (A virgem) - Gustav Klimt

O Romântico que há em mim
[Gabi Moreira]

Certa vez meu irmão me disse:

“Você...
é muito romântica”

E então aquela imagem se defez.

Eu costumava ser liberal! Extrovertida!
Nem apaixonada, nem envolvida.

Mas aí
aquela imagem se desfez

E eu percebi porque nada me preenchia
Porque o beijo vazio de nada valia
Porque se não me ligasse
Falta fazia

E então eu vi o quanto estava cética
Que a vida não era tão patética
Que os filmes de amor tinham uma lógica
Que eu precisava era de uma vodka

Pra me esquecer
Pra fazer o dia escurecer
Pro meu irmão não ficar me olhando assim
Pra arrancar o romantismo que há em mim
Colado em mim
Impregnado em mim
Soldado em mim

E então eu soube
Que o vazio me pertence e nem tudo faz sentido



Postado por:: GABI Moreira

terça-feira, 2 de outubro de 2007

FUTILIDADES DA VIDA MODERNA

[Meuzinho]

Levanta
Toma um banho pra acordar
E corre pro salão pra se depilar
Depila todas as partes possíveis do corpo
Calor, dor e desconforto
Aí vêm os cabelos
Lava, enxágua, corta, pinta
enxágua, seca, escova, ajeita
Franja no meio ou pra direita?
E então faz as unhas
dos pés e das mãos,
afinal é o nosso cartão!
Você se apresenta: “oi, tudo bom?”
você dá a mão e ele vê seu esmalte marrom.
Marrom ou vermelho?
“Vou de renda hoje mesmo, tenho um encontro com um fedelho!”
Já foi na academia, horas de suor
Quer coisa pior?
Spinning, esteira, agachamento..
E yôga no final, pro relaxamento.
Relaxamento que nada! Quer é saber do bumbum:

“Tá durinho?”

“Tá redondinho?”

“Tá lisinho?”

E lá se vão litros de creme..
Pra amaciar, a celulite acabar, redondinho ficar.
E pro rosto? Aaaaah!

Tem creme pra olheiras porque nesse pique ninguém dorme!
E pras rugas porque a intenção é ficar sempre jovem!
E contra as espinhas porque elas destroem sua pele de bebê!
E pras suas manchinhas porque senão o mundo todo vai saber!

Vai saber que faz bronzeamento artificial;
que seu peito não é natural;
que sua barriga tanquinho é comprada;
que a última lipo não valeu de nada!!!

Tudo isso prum cara que só vai olhar o seu índice de massa corporal!

Coitada..

E eu aqui lendo Fernando Pessoa.
POSTED BY: GABI Moreira
PS: Sim! Hoje eu estou atacada!



O DESEJO ESTRAGA TUDO

[Gonçalo M. Tavares]


O desejo estraga tudo
Tenho 32 planos
52 projetos
30 estruturas perfeitas
O dia é claro e clamo e tem 24 horas

De repente chega o desejo e estraga tudo.

O dia fica claro demais

Calmo de menos

E já não há 24horas.

O tempo inteiro concentra-se num ponto
Aqui. (aponta o sexo)


Tenho o tempo concentrado aqui.
Muitos minutos concentrados no sexo.
O desejo é isto.
Ter órgão a mais para o tempo que faz lá fora.
Lá fora o tempo tem 24horas.
Cá dentro é bem mais pequeno.
O tempo entra todo pelo sexo e quer deixar de existir.
O esperma é o suicídio do tempo.
O esperma sobe para a torre e atira-se de lá de cima.
É um suicídio.
Um suicídio do tempo.



O desejo estraga tudo


Tinha tantos planos racionais pra hoje.

Os números eram quase perfeitos

O desejo estraga tudo, tudo.




Postado por: GABI Moreira

Da carta de amor que eu escreveria para ele


Outubro começou e trouxe uma notícia quase boa. O horário de verão começa dia 13, nos deixando uma hora menos afastados. Desculpa, por não ter te esperado acordada ontem, o cansaço foi mais forte. Mas como sempre vou te contar meu dia, pra que a gente se sinta mais perto.

Hoje de manhã eu passei o café, forte e sem açúcar, como você gosta, e como eu aprendi a gostar, eu fiquei tentando contar inutilmente, quantas xícaras mais eu vou tomar sozinha; se você estivesse aqui eu ia te lembrar de soprar, porque o café tá quente, e eu sei que você sempre queima o nariz com o vapor. Eu almocei com uma amiga, e falei de você, na verdade falei dos seus olhos, quase cinzas. Eu tentava explicar para ela, que cor eles tinham, mas faltavam exemplos, ai eu conclui que seus olhos tem uma cor, que só eles têm. Um verde cinza, talvez. Eu não sei se eu contava para ela, ou se era para mim. Pra não me deixar esquecer, não que eu vá esquecer, mas a nossa memória às vezes nos prega peças, você sabe, então eu fico continuamente reavivando seus detalhes, e assim também eu te trago pra mais próximo de mim, enquanto você não vem. À tarde eu vi um filme de amor, desses em que tudo sempre termina bem, e quis saber quando vai chegar o nosso final feliz, que dia vai acontecer o "foram felizes para sempre", quando vai começar o nosso ara sempre. Eu sei que nosso amor é bonito, complicado, e vai ter final feliz, eu sei que é um amor desses de cinema, mas eu preciso saber quanto tempo falta para o última cena, para que os créditos desçam, as pessoas saiam esperançosas da sala de cinema, e a gente possa então passar no supermercado, comprar o jantar e ir pra nossa casa, rir do programa chato da televisão e lembrar de tudo que a gente passou pra ficarmos juntos. Todo dia eu acordo pensando que podia ser o dia de ir ao aeroporto te buscar, ou ir para o aeroporto, pegar um avião e te ver me esperando. Todo avião que corta o azul celeste me enche de esperança, eu sei que um dia um de nós vai estar em um desses aviões e que finalmente a gente vai ficar junto. E eu penso na nossa casa, na casa que a gente vai ter, eu fico pensando em que país essa casa vai ser. Toda manhã eu acordo sem querer acordar, pra prorrogar um pouco mais os sonhos bons que eu tenho com você, e com seus olhos cinzas, mas eu acordo, eu olho pro relógio, somo cinco horas e tento imaginar o que você está fazendo. Aí eu tomo o meu café, forte e sem açúcar, como a gente gosta, aí eu seguro a xícara com força e engulo em seco para não chorar de saudade. Mas aí eu sorrio, porque eu sei como é bonito esse imenso triste mundo, e principalmente porque eu sei que em algum lugar, mesmo que bem além do oceano, alguém me ama. E um dia, em breve, esse alguém, que é você, vai estar aqui bebendo café amargo comigo.


Aqui é uma da manhã, aí já são seis e você deve se levantar em breve. Tenha um bom dia então, honey! Beijos!



Postado por: Anne Keat