terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Dos substantivos concretos ou De Belo Horizonte


A chuva caia timida, quase querendo parar. E eu caminhava ainda mais timida, de cabeça baixa pela esquina dos aflitos, onde meliantes, indigentes, ciganos e pivetes vendiam a correntes de falso ouro, relogio despertador e a alma. Pela primeira vez eu parara para analisar o nome daquele lugar: Esquina dos Aflitos. Nome de melancolia quase poética. Os nomes das coisas e as coisas dos nomes. E para mim, naquele dia silencioso de carnaval, os substantivos sufocaram os verbos, que ate entao eu considerava a alma da lingua. Os substantivos é que são o nome das coisas. A alma de tudo. Justo eu, que nunca me atei a nomes, que os esquecia, quando nunca nem os ouvia. Na esquina dos aflitos senti de vontade de gritar o nome de tudo ao meu redor, numa agonia louca de guardar o mundo em cada palavra. Carros, fumaça, prédios, out-doors, cachorros, onibus, rodoviaria, sarjeta, asfalto, placas. O centro enfurecido da minha cidade estava muito calmo, escancarando diante dos meus olhos todos seus substantivos concretos, se urbanizando na minha frente com seu concreto gélido. Me abstrai naquele momento em parte viva e pulsante da cidade que não pára. Flutuei pela primeira vez, sobre suas ruas tão conhecidas pelas solas dos meus sapatos, meus sete pecados, minhas sete vidas todas ali se cruzando na Praça Sete, para que eu fosse também pedaço belo daquele Horizonte. Minha cidade de serras, de bares e de todos os substantivos de meu coração!