quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Da carta ao filho




“Quando seu moço nasceu, meu rebento,
não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
Eu não tinha nem nome pra lhe dar!”







Foi um parto sofrido. Você já nasceu assim sem eira nem beira, maculado com meus pecados, machucando meu corpo e minha alma. Filho inesperado, mãe desesperada. Eu tentei de tudo para me redimir, tricô, aborto, Igreja Universal do Reino de Deus, grupo de mães, álcool e drogas, mas você é forte, a tudo você resiste, rebento meu. Concebi-te na luxuria, gerei-te na vergonha, e te dei a luz no escuro, mas assim mesmo você veio. E trouxe nos pequeninos olhos negros a coragem que eu nunca tive, trouxe a fome ávida dos grandes guerreiros e sugou dos meus seios o leite da vida, da sua vida, só sua. Você lutou por ela antes ainda que viesse ao mundo; me envenenara com a sua sede de vida. Tão pequeno e tão forte, mostrando pra mim toda minha fragilidade e insignificância. Meu pequeno você me mostrou a verdade obvia que eu sozinha eu não poderia ver, eu tive por nove meses a maior dádiva de todas, pela primeira vez eu trouxe vida dentro de mim. De onde, que não de mim, você tirou tanta vitalidade? Foi do seu pai? Pai que não sabemos quem é? Pai, que não sabe de nós? De onde você conseguiu tanta vida? Qual é sua fonte, seu bastardo? Foi seu pai, que tirou de mim toda a alegria de estar viva, que deu a você tanta força pra viver? Meu filho, filho meu, ama a sua mãe como ela te ama e te odeia. Pedaço de mim, leva contigo a sua primeira vitória, leva seu parto sofrido como o troféu da penitência de se estar vivo. Vive e esteja sempre vivo. Hoje sua mãe, que nunca viveu, deixa a vida, e deixa para você, como legado, seus medos, pecados e essa carta mal escrita. Não tenha culpa, remorso, raiva ou rancor. Peço-te tampouco amor. Mas vive, meu filho, que a vida foi feita para você.

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